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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Titane' é horror que vai além ao falar sobre busca de identidade


Alexia (Agathe Rousselle) é uma mulher que não se encaixa. Marcada por um acidente quando era criança, resultando em uma placa de titânio na cabeça, ela nunca encontrou sua tribo, seu grupo. Aparentemente é homossexual, mas também não tem bons relacionamentos com as mulheres que cruzam seu caminho. Por outro lado, os homens que a rodeiam — todos por conta das apresentações eróticas que faz em cima de carros — a tratam como verdadeiro objeto.


No entanto, essa sua busca se torna um desmoronamento de personalidade quando Alexia engravida. Aparentemente é de uma relação com um carro (alô, Crash!), mas isso é só pelo viés surrealista da coisa. Será que foi estuprada, abusada? A partir daí, enquanto seu corpo a acusa e a transforma em algo que ela não quer ser, Alexia vai buscando desesperadamente uma outra identidade. A única saída? Se agarrar ao fragmento de metal em sua cabeça. Alexia é máquina.


É essa a premissa de Titane, longa-metragem que merecidamente levou a Palma de Ouro de Cannes e que agora está na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Com uma direção ousada e provocativa de Julia Ducournau (Raw), o filme não deixa pedra sobre pedra. Calcado em elementos do body horror, há violência, nudez, sangue e, claro, óleo de motor. No entanto, ao contrário de Raw, não há choque pelo choque. Essa transformação corporal tem sentido.

Ainda que a cineasta derrape aqui e ali, como na pegada de serial killer de Alexia bem no começo do longa e que nunca é realmente justificada, a maioria dos acontecimentos faz sentido dentro daquele universo. O personagem de Vincent Lindon (absolutamente incrível aqui) traz a humanidade necessária para a protagonista, enquanto a coloca em um embate ainda mais forte e intenso. É na estranha relação com Lindon, surge o amor, o carinho e o cuidado em sua vida.


É impossível, também, não comparar Titane com o já anteriormente citado Crash: Estranhos Prazeres, de David Cronenberg. Além de ambos serem do subgênero do body horror, há algo mais aqui. Enquanto Crash se vale da máquina como simulacro do prazer humano, Titane usa o metal como uma metáfora da dor. Alexia tem prazer com as máquinas, e até mesmo se vê como uma em um mundo que exige e cria rótulos fixos o tempo todo, mas essas mesmas máquinas também são o caminho para representar a insatisfação e a transformação da personagem.


Vale destacar a sensibilidade de Ducournau em algumas cenas que, mais do que horror, causam repulsa social. É o caso da sequência dentro do ônibus em que Alexia, mesmo em transformação e desencontrada em termos identitários, acaba encontrando uma solução de fragilidade, de dor. É o momento de fragilidade que essa personagem, com foco em apenas sobreviver, demonstra. É um momento-chave na direção de Ducournau, que sabe colocar sensibilidade no horror.


Titane, assim, é um filme que tem tudo para ser lembrado como clássico no futuro. Ousado, provocativo, corajoso e, ainda, traz uma revelação como Agathe Rousselle — não tenho dúvida alguma de que a atriz de Alexis vai aparecer muito por aí. Semelhante ao que vimos recentemente no brasileiro Carro Rei, traz uma estranheza necessária para um tempo em que não nos encontramos, não nos sentimos, não nos compreendemos. Talvez, apenas, por meio de dispositivos recheados de metais. Titane é o terror de uma geração, de uma sociedade.

 

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