Que grande momento vive o cinema brasileiro de animação. Depois do excelente Uma História de Amor e Fúria, parece que o gênero encontrou seu lugar na produção nacional. Afinal, logo veio O Menino e o Mundo -- que chegou a concorrer ao Oscar em sua categoria -- e o pouco falado Lino, que possui uma história bobinha, mas indicou que há tecnologia para produzir longas atraentes para os pequenos. Mas agora chega o filme que consolida todas essas impressões: é Tito e os Pássaros, aventura expressionista infantil que impressiona pela boa história e pelo visual estonteante.
A trama acompanha a história de Tito, um garoto que vê seu pai sair de casa logo após criar um conflito com a mãe por conta de uma máquina que "conversa" com pombos. Um bom tempo depois, porém, é a vez do menino e de seus dois melhores amigos construírem uma máquina semelhante, ao passo que a sociedade começa a enfrentar uma estranha epidemia que paralisa as pessoas e a transformam em pedras. Este é o início de uma história repleta de momentos emocionantes, um suspense interessante e uma aventura por cenários de tirar o fôlego. Uma animação brasileira de ponta.
O principal destaque de Tito e os Pássaros está no visual. Com inspiração expressionista, cada frama do longa-metragem é uma obra de arte repleta de lindos detalhes. Sob direção cuidadosa de Gabriel Bitar, André Catoto e Gustavo Steinberg (único que não é estreante em longas, por conta do bom Fim da Linha), o filme consegue manter sua qualidade ao longo de todos os 73 minutos -- algo quase impossível para uma produção de baixo orçamento (US$ 1,2 milhões) e com uma equipe de 150 pessoas. É, sem dúvidas, algo louvável e que merecerá páginas na biografia do cinema nacional.
O melhor é que não é apenas o cenário que é expressionista, cheio de traços disfuncionais e ousados. O desenho dos personagens também segue a mesma linha, assim como a excepcional trilha sonora de Ruben Feffer e Gustavo Kurlat (ambos de O Menino e o Mundo). Tudo ali possui coesão e algum sentido. Nada fica fora de ordem e tudo ajuda a criar uma incrível imersão dentro da história do pequeno e simpático Tito.
Parece um mergulho completo num quadro de Georg Grosz. Que ótima experiência!
Sobre a história, escrita por Steinberg e por Eduardo Benaim (Jogo das Decapitações), é importante ressaltar como é impressionante a atualidade do que é contado. Por mais que ela tenha sido elaborada há oito anos, a trama acerta por falar sobre o medo abstrato, mas muito bem direcionado, que parece invadir cada vez mais a mente dos brasileiros -- seja por conta da flexibilização da posse de armas, discursos de ódio, políticos que perseguem minorias. Afinal, a tal epidemia que ataca os personagens não é nada mais do que o medo, que paralisa e choca. Excelente analogia com a vida atual.
Pena, porém, que o filme perca alguns pontinhos com uma ou outra subtrama mal explorada e algumas sequências que recaem no vazio. Nada que vá estragar a experiência de quem está assistindo ou coisa do tipo. Mas impede que o filme atinja uma cotação máxima, por exemplo. Vale ressaltar, também, o ótimo trabalho dos atores principais, com destaque para Denise Fraga e Mateus Solano. O fato dos diretores terem primeiro gravado as vozes para depois fazerem os traços ajuda -- e muito -- a ampliar a potência das cenas. Não era a voz de Fraga no desenho. Era, de certa forma, ela na tela.
Tito e os Pássaros é um trabalho estupendo de profissionais brasileiros, que deixa WiFi Ralph no chinelo -- e, de certa forma, Os Incríveis 2. Pena que não tenha conquistado seu merecido espaço na corrida pelo Oscar e ficado pelo caminho. É um trabalho que merece ser incensado no Brasil e no mundo. Afinal, é inteligente, coeso, ousado, bem feito e ideal para crianças e adolescentes. Um presente para o público que quer sair da estética convencional do que se vê no gênero. Um filme que merece aplausos não só por sua qualidade, mas pelo que ele representa para o Brasil e para o cinema. Filmaço.
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