Às vezes, parece que todos os assuntos possíveis já foram contados sobre a Ditadura Militar nos cinemas. Mas a diretora Susanna Lira (Mussum, Um Filme do Cacildis) chega aos cinemas nesta quinta-feira, 19, pra mostrar que muito ainda precisa ser contado. Seu novo documentário, Torre das Donzelas, surpreende ao se aprofundar na história de um grupo de mulheres presas, durante a Ditadura, num pavilhão especial que dá título ao longa. Memórias e histórias se misturam para se aprofundar na tristeza do período.
Logo de cara, Torre das Donzelas ganha pontos por não apostar no formato tradicional e quadrado de documentário. Ao invés de uma sucessão infinita de entrevistas e imagens de arquivo, o longa-metragem se debruça em reencontros emocionais. As entrevistas não ficam passíveis em frente à câmera e mergulham nas memórias da tal "torre". São tentativas de recriar o ambiente na lousa, imersão em cenários realistas. Uma série de recursos são usados por Lira pra tirar espectador e entrevistados da zona de conforto.
Isso funciona. Ao decorrer do filme, a emoção se torna real e palpável, sem ser exagerada ou sensacionalista. As coisas se desenvolvem de um modo orgânico. Parece que há o reencontro dessas pessoas com memórias soterradas e escondidas de outrora.
Além disso, a edição é poderosa. Ainda que às vezes assuma um tom didático, o longa-metragem vai se embrenhando com calma nas histórias das personagens centrais. É a deixa para que o espectador vá entendendo o drama dessas pessoas, a dor que sentiram, o medo, a angústia. Impossível não sentir uma sensação de injustiça ao longo dos depoimentos que vai tomando uma forma assustadora. A reconstrução da memória, que foi esquecida pelo Estado, é poderosa. É o grande trunfo deste filme de Lira.
Pena, porém, que o filme caia em pequenas obviedades aqui e ali. Que grande acerto seria se a cineasta tivesse optado por apenas colocar as mulheres entrevistadas apenas conversando nesses ambientes, gerando emoções, depoimentos e memórias ainda mais naturais. Às vezes, a entrevista regular, com fundo preto, acaba quebrando a atmosfera.
Por fim, vale ressaltar que Susanna Lira fez um trabalho magnífico de reunir essas mulheres. Não é fácil, afinal, fazer com que elas revivam monstros do passado da maneira que é feita aqui. Além disso, Torre das Donzelas ganha pontos por não glorificar totalmente as presas, como se fossem uma coisa só. Havia injustiças cometidas ali, como uma perseguição às que choravam ou não conseguiam se manter o tempo todo. É interessante trazer esse aspecto, dinamizando a personalidade das entrevistadas.
Dessa maneira, Torre das Donzelas é um documentário forte, necessário, urgente e original. Possui problemas aqui e ali, mas, no geral, acerta. Vai na contramão de muito que é produzido no cenário cinematográfico e mostra que, por meio da criatividade, é possível encontrar histórias pungentes, prontas para serem contadas, de assuntos que já parecem esgotados. Filmão, que merece sua atenção. Ainda mais em tempos sombrios como os de hoje, que voltam a flertar com a ditadura e o autoritarismo.
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