Cinema, quando bem feito, é capaz de tornar um personagem ficcional mais verdadeiro do que muitos ícones que já foram interpretados nas telas. Trama Fantasma, novo filme de Paul Thomas Anderson (Sangue Negro, Vício Inerente) sugere contar a história de um estilista de elite, Reynolds Woodcock, que se apaixona pela até então garçonete Alma, resultando num romance extremamente conturbado o qual os dois viveram por anos. O longa não apresenta grandes reviravoltas durante seus 130 minutos, focando apenas no desenvolvimento brilhante de personagem, fazendo crer que Woodcock era, de fato, uma pessoa real.
Ainda que o protagonista utilize como forma de expressão seu trabalho, desenhando vestidos, Trama Fantasma está longe de ser um filme sobre moda. A moda nada mais é do que uma via pela qual Reynolds se comunicava e apresentava facetas de si mesmo aos que o cercam. Prova disso é sua própria fala: "É possível costurar quase tudo no forro de um casaco. Quando eu era menino, comecei a esconder coisas no forro de roupas. Coisas que só eu sabia que estavam lá".
Lembrei da personagem M, interpretada por Rooney Mara, em A Ghost Story; sem grandes abalos emocionais, ela dizia deixar bilhetes nas paredes das casas em que morava, coisas que apenas ela sabia. O trabalho, para Reynolds, era sua única forma de expressão, e portanto não deveria ser interrompida.
O aspecto mais magnífico do filme de Paul Thomas Anderson talvez seja como ele conseguiu retratar perfeitamente bem o caráter metódico, aproximando-se de um obsessivo compulsivo, do protagonista, que não permite que sua rotina seja violada. O incômodo gerado em Reynolds quando tem seu trabalho atrapalhado é ilustrado de forma cômica, justamente para evidenciar sua personalidade extremamente regrada: o som de Alma passando manteiga na torrada é suficiente para incomodá-lo. Coisas que normalmente não incomodariam, têm um destaque na cena para que o espectador consiga entender o ponto de vista do estilista.
Por valorizar muito a Psicologia, obras que desenvolvem bem um personagem, apesar de pouca história, costumam chamar mais minha atenção. E desenvolver um personagem não significa dar grandes justificativas para seu comportamento, ou até mesmo explicitar suas possíveis motivações, mas sim conseguir transmitir sua personalidade para o espectador. Trama Fantasma não só fez isso prestando atenção em cada detalhe relacionado à Reynolds, como também enquadrou o filme da mesma forma. Desde a primeira cena, podemos ver que o protagonista está quase que destinado à seguir padrões, e assim nos é retratado durante todo o tempo.
Reynolds é um homem que possui a necessidade de controle, algo que nos fica claro através de seu trabalho. Porém, a partir de sua relação com Alma, o filme nos revela que esse tipo de padrão se repete em todos os aspectos da sua vida. No início, ela constantemente o desafia, seja através de surpresas ou até por meio de respostas que ele não gostaria de ouvir. Porém, conforme a trama avança, Alma percebe que o único modo de manter seu relacionamento é seguir esse padrão: deixar com que ele tenha autoridade e não interromper seu trabalho de forma alguma. Por mais estranho que seja, os dois chegam num acordo que permite tanto satisfazer os desejos dela, de sentir-se que seu companheiro a necessita, como satisfazer os desejos dele. A maneira que isso acontece é perturbadora, mas a esta altura, já se está tão familiarizado com os personagens, que acaba simplesmente fazendo sentido.
Outro ponto a ser elogiado são as atuações do elenco principal. Daniel Day-Lewis, o melhor ator de sua geração e que se aposenta das telonas com este longa, injeta verdade em cada gesto de seu personagem: desde o sorriso, passando pelo modo que se veste e indo até os momentos de cólera. Tudo em cena é pensado e interpretado de maneira genial pelo ator. Vai fazer falta no cinema. Outro destaque é a atriz de Alma, Vicky Krieps. Ela consegue dar o tom de sua personagem sem exageros e conseguindo competir com Day-Lewis em cena. Merecia uma indicação.
Trama Fantasma é um filme incrível para aqueles que desejam entender um personagem em seu íntimo, através apenas de seu trabalho. Quem espera uma grande história, com começo, meio e fim delineados, tem grandes chances de decepcionar-se. Apesar de produzir os opiniões contrárias, não se pode negar que se trata de um belo filme, visualmente falando, e com uma trilha sonora que combina perfeitamente com o tom que pretende passar. Paul Thomas Anderson conseguiu, em um filme relativamente lento, criar empatia entre o público e personagens quase que incompreensíveis e incompreendidos.
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