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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crônica: Adeus, Rubens Ewald Filho


Pra quem não sabe, quase todos os lançamentos do cinema são exibidos para a imprensa em sessões exclusivas, fechadas, feitas em salas de cinema ou na própria sede da distribuidora. São as chamadas cabines, que hoje reúnem dezenas de blogueiros, jornalistas, críticos e afins. Numa das primeiras que fui, para o finado site Literatortura, estava nervoso. Era na sede da Sony, num prédio grandioso. Foi há quatro anos, para assistir Goosebumps -- em seguida, aconteceria uma coletiva com o ator Jack Black. O medo da ausência do que aconteceria ali tomava conta. Como seria?

Cheguei uma hora antes, evitando qualquer tipo de atraso. Entrei, sentei no sofá colorido e comecei a esperar. Qual minha surpresa então, dali alguns minutos, quando ouvi uma voz conhecida na recepção e vi a figura gigantesca do crítico Rubens Ewald Filho entrando na sala. Foi uma surpresa. Não tinha ideia de que jornalistas como ele, famosos e conhecidos no Brasil inteiro, assistiam aos filmes junto com jornalistas ainda em início de carreira. Estava na faculdade ainda! Não entendia nada do que acontecia.

Ele, então, logo me deu oi e sentou no mesmo sofá em que estava. Comecei a tremer de medo e de insegurança. Não sabia se puxava conversa, se ficava quieto. Ele, percebendo essa minha inquietude, perguntou se iria depois para a coletiva com o ator Jack Black.

Depois disso, a conversa evoluiu. Ao longo de uma hora, eu e ele conversamos sobre o cenário de cinema no Brasil; sobre a Mostra, que naquele ano faria retrospectiva de cinema sueco; sobre Goosebumps ("é uma bobagem divertida, é claro", disse ele); e, o que mais importou para mim, sobre carreira. Na época, além de trabalhar para o Literatortura como editor de cinema, era estagiário da editoria de tecnologia no jornal O Estado de S. Paulo. O Estadão, para os íntimos. Era um trabalho que todos queriam.

Mas, ainda assim, não estava tão feliz. Gosto de falar de tecnologia, não é à toa que faço isso ainda hoje, mas meu objetivo final era o cinema. Queria falar sobre filmes, seja lá onde fosse. Naquela época, já pensava em largar tudo para ficar apenas com meu trabalho no Literatortura, ganhando 1/5 do que recebia no jornal. Contei isso ao Rubens e ele, com muita classe, me dissuadiu da ideia. Aconselhou que eu ficasse mais alguns anos, que conseguisse, de alguma maneira, produzir material sobre cinema na grande mídia. "Você está no Estadão. Fique lá até conseguir algo. Não dá pra arriscar", disse.

Fiz isso. Continuei no Estadão como estagiário por mais um ano. Fui efetivado no seguinte como repórter, ainda em tecnologia. Nesse meio tempo, duas coisas relevantes aconteceram na minha vida. Primeiro, fiz meu TCC sobre o músico Benito di Paula. As minhas conversas acabaram rendendo a primeira matéria para o Caderno 2, editoria de cultura do Estadão. Foi o que abriu as portas para fazer mais e mais matérias sobre o assunto -- inclusive sobre filmes no streaming, que hoje faço com frequência e gosto.

Se eu tivesse saído do jornal naquele momento, num impulso impensado, nada disso teria acontecido. O site Literatortura, afinal, morreu. E eu também não teria conhecido o jornalista Amilton Pinheiro, hoje colaborador no Esquina e que abriu portas no jornal.

Em segundo lugar, criei o Esquina para escoar todo conteúdo cultural que consumia e não tinha vazão no jornal -- crítica de cinema, por exemplo, sempre fica com o genial Luiz Carlos Merten. O site, que agora publico este texto, também acabou dando certo. O que era para ser um hobbie cresceu por conta de matérias como a do criador de Coragem: O Cão Covarde e pelas críticas que faço sobre filmes da Netflix e afins. Vou em cabines, agora por conta própria. E sempre via o Rubens, que me dava um aceno.

Depois dessa primeira conversa, que ajudou a nortear minha carreira, pouco falei com Rubens nos últimos quatro anos. Apertamos as mãos algumas dezenas de vezes, trocamos acenos algumas outras. Numa cabine de Megatubarão, eu e ele ríamos sobre a possibilidade de assistir ao filme em 4D -- que jogaria água e vento em nossas caras. "Os críticos estão parecendo crianças animadas num parque de diversões", disse ele, num misto de humor e diversão. Fomos assistir ao filme na sala IMAX. Só eu, ele e meia dúzia de gatos pingados. Ao final, rimos do filme e sobre toda a experiência no geral.

Me arrependo muito de não ter falado para ele como aquela conversa foi determinante na minha carreira. Hoje, sou freelancer no Estadão, cobrindo principalmente streaming. Consigo tocar meu site, meus projetos pessoais. Vejo quase todos os lançamentos de cinema no ano -- em 2018, faltaram apenas 37 filmes. De novo: nada disso teria acontecido se não fosse aquela conversa inicial com Rubens. Não sei, novamente, onde isso vai dar. Se vou continuar com o Esquina ad infinitum, se a abertura como freela vai continuar também. Mas o fato é que hoje sou feliz com minha profissão e carreira.

A gentileza de Rubens, e a sensibilidade que ele teve no momento, me fez ver diferente. É algo ímpar no mercado, principalmente num momento em que jornalistas culturais voltam a tentar impôr a figura do crítico ranzinza. Chegam a reclamar, publicamente, de pessoas que se emocionam em filmes, em cabines. Rubens, com certeza, só daria risada e faria um comentário pontual. Era um profissional elegante, fino, humilde. Era o tipo de pessoa que ajudava a balizar a profissão. Que ajudava os colegas, fossem quem fossem. E isso, com certeza, vai fazer muita falta. Adeus, Rubens. E muito obrigado.

 

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