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  • Amilton Pinheiro *

É Tudo Verdade 2018: Documentários escancaram a violência do Estado


Um carro Puma, modelo PGE, placa OT-0297, de cor cinza-metálico, para no estacionamento do Centro de Convenções do Riocentro. Lá dentro, os dois ocupantes – o Sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado – esperam o momento ideal para acionar os artefatos explosivos que levam ali. Naquele dia, 30 de abril de 1981, acontecia o show organizado pelo Centro Brasil Democrático, ligado ao PCB, que reunia artistas da Música Popular Brasileiro, como Chico Buarque, Gonzaguinha, Simone e Elba Ramalho, em comemorações ao Dia do Trabalhador.

O objetivo dos dois integrantes do Exército Brasileiro era fazer um atentado durante o show, que seria atribuído a organizações de extrema-esquerda. Eles pertenciam a ala dura do Exército Brasileiro, insatisfeita com os rumos de democratização que o País começa a viver, desde a Anistia de 1979 – queriam a perpetuação dos militares no poder.

Felizmente, o atentado não aconteceu já que um dos artefatos explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu na hora, enquanto o capitão Wilson Dias Machado recebeu estilhaços da bomba, saindo apenas ferindo. O atentado frustrado ajudou a antecipar a democratização do País, que veria em 1984, com as eleições indiretas de um presidente civil, Tancredo Neves.

Esse é o mote do novo documentário do cineasta Silvio Da-Rin, Missão 115, um dos sete concorrentes da Mostra Competitiva do Festival É Tudo Verdade. O título do filme se refere ao nome atribuído pelo DOI-CODI, a operação daquela nefasta noite que se não logrou. Aproveitando os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, o documentário explora o tema por meio de depoimentos de especialistas, membros da Comissão, além de um ex-policial, Claudio Guerra.

Missão 115, mesmo não trazendo apuro de linguagem, já que usa o tradicional depoimento-imagem, ganha força por revelar um dos episódios mais emblemáticos da história recente do Brasil, mostrando as dificuldades intransponíveis em se apurar e punir qualquer membro do Exército Militar Brasileiro. Diferente de outros países latino-americanos que passaram por ditaduras militares, o Brasil nunca conseguiu abrir os arquivos do Exército Brasileiro, mesmo durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff. Atos de violência cometidos durante o regime militar que não foram apurados e tampouco punidos dizem muito sobre o modus operandi das policias brasileiras, em especial a do Rio de Janeiro, tema do documentário Auto da Resistência.

Impactante e incômodo, o documentário Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho, é mais um triste retrato da violência perpetrada pelo Estado Brasileiro, agora cometidos por policiais do Rio de Janeiro, que usam a expressão “autos de resistência” para legitimar o extermínio de jovens das favelas e subúrbios cariocas, em sua maioria negros e pardos. O filme acompanha alguns casos recentes de ações policiais que terminaram em execuções de jovens inocentes, e a luta das mães por justiça, o que na maioria das vezes não acontece.

Com uma montagem ágil, o documentário une os casos de forma exemplar, e mostra o despreparo, a truculenta e a ilegalidade dessas ações, acompanhando os descasos na apuração e na punição desses policiais. Com depoimentos fortes e contundentes das mães desses jovens, o filme deixa um misto de revolta e incômodo no espectador.

* Os dois filmes foram vistos durante a cobertura especial para o É Tudo Verdade 2018.

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