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  • Foto do escritorMatheus Mans

Entrevista: Cláudio Schuster fala sobre 'Vai dar Merda', seu livro de crônicas


É interessante notar como a crônica está intimamente ligada na nossa literatura. Nomes como Luis Fernando Verissimo, Zuenir Ventura, Rubem Braga e Machado de Assis, é claro, ajudaram a trilhar esse caminho e a tornar a crônica brasileira uma instituição preciosa. Por isso, mais do que mergulhar nos clássicos, é muito proveitoso conhecer as novas vozes da crônica por aí.


E é por isso que devemos celebrar um livro como Vai dar Merda, do jornalista Cláudio Schuster. Editada pela Mondrongo, a obra reúne pequenas história, geralmente com tons bem humorados, sobre a vida. Há textos sobre sexo (A Nave Espacial, Palavras), relacionamentos (O Primeiro Encontro, O Túnel e o Gol), nostalgia (Mais Respeito, Satisfaction), morte (Para Sempre), etc.


Como toda coletânea de textos, há certa instabilidade -- alguns textos melhores do que outros. No entanto, é interessante notar como Vai dar Merda tem uma linha narrativa que atravessa todas essas pequenas histórias: o bom humor de olhar acontecimentos cotidianos, mesmo que às vezes com certa melancolia. É um livro pra cima, que traz esse olhar tão marcante.


É algo essencial nos tempos bicudos que vivemos. Livros nos transportam para outras realidades, outras vidas, outros olhares. Vai dar Merda, que deixa claro desde seu título como preza pela jocosidade nas histórias, é capaz disso: mesmo com tudo desabando lá fora, vemos graça nas situações do dia a dia e como podemos extrair boas coisas até de atos surreais.


Devemos celebrar não apenas livros assim, como seus autores. Por isso, mais do que fazer uma resenha, o Esquina propôs para Cláudio fazermos uma entrevista, um bate-papo mesmo que por e-mail, sobre Vai dar Merda. A seguir, confira nossa conversa completa. Falamos sobre a ideia do livro, desafios da escrita, inspirações, cuidados e, é claro, projetos futuros do autor.


Entrevista com Cláudio Schuster


Esquina da Cultura: Vi que alguns contos já tinham entrado numa coletânea antes, de crônicas de jornalistas. Mas como nasceu 'Vai dar Merda'? Quando e como você quis fazer sua própria coletânea?


Cláudio Schuster: Minha produção de poesias sempre foi bem maior do que a de crônicas. Tanto que tenho cinco livros de poesia. Em cerca de duas décadas acumulei algumas crônicas, mas ainda não achava que poderiam render um livro. O convite para participar do Pauta do Dia: Coletânea de Crônicas de Jornalistas (2016), editado pela Associação Catarinense de Imprensa, foi um estímulo a produzir mais. A decisão de fazer o Vai dar merda foi durante a pandemia, quando no isolamento reli as crônicas, alterei algumas e fiz novas. A pandemia aparece pouco no livro, mas foi determinante na vontade de publicar. O projeto do livro e todo seu processo foi essencial para sobreviver ao caos.


Esquina: Aliás, fiquei com uma curiosidade: você diz na introdução que alterou 'A Perseguição'. O que mudou? O que te fez tomar essa decisão de mudar o conto?


Cláudio: Fica difícil falar sem dar spoiler de uma pequena mas, na minha opinião, significativa mudança na relação entre o perseguidor e a perseguida. Mas vou tentar. A história fala de um cara que segue uma mulher na rua com a fantasia de que ela é uma executiva tarada, que o escolhe aleatoriamente para uma trepada no meio do dia. Só que as coisas tomam outro rumo quando ela entra num banco. Para um assalto. Mas ainda parecia incompleta para o meu objetivo, que está em outras crônicas também, de criar reviravoltas na história, em textos curtos e ágeis. Na nova versão, a mulher apresenta outras armas além do revólver. A surpresa reforçou ainda mais a fantasia aberta a qualquer possibilidade. Um "detalhe" que deu maior impacto pro desfecho cinematográfico. Resumindo, só lendo mesmo (risos).


Esquina: Vários dos contos falam sobre "dores do homem moderno", mas com uma ironia fina no humor. Como trabalhar com essa temática hoje em dia, ainda mais empregando um humor tão fino? Você se policia ou testa limites enquanto está escrevendo? Tem receio de entrar em alguns temas?


Cláudio: Não usaria o termo policiar, pelo sentido que tem de repressão. Acredito que preciso estar atento aos movimentos do mundo, às transformações sociais e culturais. Se eu defendo e participo desse movimento, ele é para mim também. Preciso aprender e mudar, sem medo, como cidadão e como escritor, por consequência. Podemos escolher a influência da estagnação ou da mudança. Não temo escrever permeado por novas visões e comportamentos. Isso não me limita. Ao contrário, me amplia, pois exige de mim crescimento, enfrentamento de contradições e maturidade. Sem receio e também sem achar que estou imune aos erros, escolho os temas que me possibilitem falar de pessoas em movimento ou que não se encaixam, e também de situações absurdas. Tudo com humor e leveza, pois acho que o humor ajuda a desarmar quem lê o texto, para embarcar numa boa viagem. E se você estiver leve, sem o peso das bagagens do cotidiano, vai viajar melhor ainda. Juntar tudo isso pra tratar das dores do nosso tempo, com a pegada erótica que curto, com o uso do palavrão sem freios, da exposição de fantasias sem censura, com pitadas de surrealismo, é um belo desafio.

Esquina: Suas crônicas falam, principalmente, sobre observações e acontecimentos cotidianos, às vezes inclusive mundanos. De onde nasce sua inspiração para essas histórias?


Cláudio: Para as pessoas que perguntam se as histórias aconteceram comigo, respondo que são verdades inventadas e ficções vividas. Algumas, da infância, de fato aconteceram. Talvez na minha imaginação, mas aconteceram. O medo da morte em um determinado momento aconteceu, mas na crônica ganhou humor e outras invenções. Grande parte é imaginação inspirada na observação das pessoas e do cotidiano. O nome Vai dar Merda foi escolhido porque a expressão aparece em algumas crônicas escritas em períodos bem distintos. A coincidência - ou seria pobreza de vocabulário? - tem ainda a ver com o momento do país, infelizmente marcado por esse governo de merda.


Esquina: Qual o maior desafio para você quando está escrevendo?


Cláudio: Tenho grande influência do cinema e das formas não realistas de expressão. Um desafio é levar as pessoas a outros mundos, a situações absurdas, saindo do retrato restrito da realidade. Isso me ajudou a ver o mundo de outra forma e tenho a ilusão de influenciar algum descuidado. Outro desafio é criar o máximo de imagens e imaginações com poucas palavras. Pra mim, o exercício de concisão exige construir amplos significados e sensações para cada palavra e frase. Melhor se conseguir tudo isso e ainda conquistar um sorriso de quem lê.


Esquina: O livro tem um complemento muito interessante com as ilustrações do Cláudio Duarte. Como nasceu essa parceria? O que te motivou a colocar ilustrações na obra?


Cláudio: Conheci o Cláudio Duarte em Florianópolis, pra onde ele veio há uns 14 anos. Além de grande amigo, tenho muita admiração por seu trabalho. O Cláudio foi ilustrador do jornal O Globo por 28 anos, lá ganhou o prêmio Esso, entre outros. Já fazia um tempinho que queria fazer algo com ele. Quando decidi publicar o livro, ele foi uma das primeiras pessoas para quem enviei os originais, mas ainda sem propor nada. Só pra ouvir a opinião sobre as histórias. Em seguida ele me ligou já com mil ideias de ilustração. Assim nasceu o projeto, feito em pouco mais de um mês, com intensa afinidade. Também é importante mencionar a editora Mondrongo, que compõe esse grupo de pequenas editoras essenciais para a cultura do país, os escritores Leonardo Valente e Xico Sá, com suas generosas opiniões na orelha e contracapa, e os amigos e amigas que leram os originais e me estimularam a publicar o livro.


Esquina: Por fim, está desenvolvendo algum novo livro?


Cláudio: Tenho poesias inéditas e sonho em fechar a trilogia do beba poesia. Mas gosto de curtir o filhote novo, me envolvo bastante na divulgação, na troca de ideias com leitores e leitoras. Aí não escrevo tanto quando deveria. Mas não vai demorar muito pra vir o beba poesia volume III.

 

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