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  • Foto do escritorAmilton Pinheiro

Festival de Gramado: O Brasil visto pelo retrovisor com 'Homem Onça'


O Brasil, o país do futuro que nunca chega lá ou nunca chegará, se olharmos para o momento que estamos vivendo, o pior da nossa história democrática.


No filme Homem Onça, de Vinícius Reis, protagonizado pelo sempre competente Chico Díaz, um gerente de projetos, Pedro, vivido pelo ator, trabalha na maior empresa de gás do país, Gás do Brasil, uma estatal que está prestes a ser privatizada.


O filme vai mostrar os bastidores dentro da empresa antes do momento da privatização, com todo o receituário de reestruturações que as estatais passaram antes de irem para iniciativa privada, com seus modelos de desempenho, downsizing, P&D, etc, que geraram, segundo esses modelos, a eficiência necessária para à venda. Conceitos tão em voga numa das épocas que a história ocorre, meados dos anos 1990, era dos governos Collor, Itamar Franco e FHC, e das privatizações de alguns importantes estatais como a Embraer, privatizada em 1994, e a Vale do Rio Doce, em 1996.


Mesmo estando no campo fictício, o filme começa com imagens fotográficas reais dos protestos que aconteceram no Brasil com a privatização da Vale do Rio Doce, com funcionários, políticos de esquerda e a população nas ruas protestando contra a venda da empresa e o desmonte de parte da riqueza do país pelo receituário neoliberal e o seu necessário aparato policial para coibir as manifestações.


Diante do programa implacável de demissões que ocorrerão na empresa, Pedro, um premiado gerente de projetos ambientais, com reconhecimento internacional, acredita que sua equipe, de três funcionários, não irá ser afetada, promessa feita por seu chefe Dantas (Emílio de Mello), mas que veremos não se sustentará.

O diretor Vinícius Reis constrói seu filme entre dois tempos distintos, os acontecimentos da privatização e da aposentaria precoce de Pedro, na cidade do Rio de Janeiro, ao lado da esposa Sonia (Silvia Buarque) e de uma filha, e em um futuro não tão distante, quando ele, já separada de Sonia, vive no sítio no interior do Rio de Janeiro, em sua cidade natal, ao lado de sua primeira namoradinha, Lola (Bianca Byington), recebendo a visita do filho adolescente dela.


Os tempos se alternam de forma orgânica, sem atropelos e reviravoltas, entre o desenrolar do presente e do futuro não tão distante, obedecendo o tempo mais fluido que requer o personagem Pedro, com seu olhar mais contemplativo, ligado a sua relação com a natureza e com o seu ser animal (quando criança em sua cidade natal, Pedro e seus amiguinhos encontram uma onça na mata).


Um dos trunfos que Reis dispõe para contar de maneira eficiente e humana sua história, é a composição meticulosa que o ator Chico Díaz empreende ao seu personagem, um homem urbanizado que não deixou o seu extrato animal se apagar dentro dele.


Para isso, o ator trabalha de maneira exemplar todo seu repertório de atuação, entre eles, a maneira corporal distinta entre os dois tempos que vive o personagem; a ereta e segura de um funcionário de uma grande empresa no meio urbano, e a postura relaxada e animalesca de um homem que vai viver no meio do mato depois da aposentadoria forçada.


O ator entrega corajosamente seu corpo nu a serviço do seu personagem, principalmente numa cena importante e crucial para desencadear o elemento fabular da jornada desse homem desencantado pela vida numa melancólica metáfora ao Brasil que não encontrou o caminho do País do Futuro e da Justiça Social na redemocratização.


Pedro chega à beira de um rio e tira a roupa, enquanto a câmera acompanha à distância sua nudez. Ele entra de costas na água calma do rio, para tomar banho e se incorporar de vez ao seu instinto animal e sua ligação a natureza, numa espécie de retorno ao homem essencial que afogará o homem cordial que ele se tornou no país de tristes trópicos. Um autêntico personagem rosiano, Pedro faz jus a uma frase do escritor João Guimarães Rosa: “A natureza da gente não cabe em nenhuma certeza”.

 

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