* Esta matéria é uma análise detalhada de aspectos centrais da trama de 'Bacurau'. Logo há spoilers. Se quiser evitá-los, salve o texto e volte depois.
Bacurau é um soco no estômago. Entra na linhagem daqueles filmes duros, mas necessários, por retratar uma faceta do brasileiro que anda escondida por aí, sendo murmurada nas ruas. No entanto, apesar desse impacto ser sentido por qualquer que seja seu público, brasileiro ou não, dúvidas rondam a cabeça na hora dos créditos finais.
O que há nessa história? O que ela quer dizer, afinal? Quais são os seus significados?
Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, diretores do longa-metragem, fugiram de explicações sobre quaisquer mensagens e ensinamentos que o filme pudesse ter. Mas é inegável que há coisas ali. Primeiramente, há o clima geral de resistência, ecoando o que já tinha sido visto em O Som ao Redor e, principalmente, Aquarius. Os personagens ali retratados resistem das mais diversas maneiras às mais variadas ameaças.
Logo no começo, quando os dois forasteiros chegam montados em motos, há um desconforto geral na cidade com a presença da dupla. Quem os acaba rechaçando é o violeiro, que canta uma moda que incomoda os dois. E o que seria essa música senão uma forma de resistência? Depois, Domingas (Sônia Braga) resiste ao ataque dos gringos com comida. Ao oferecer pratos típicos, ela mostra que há algo mais na região.
A resistência final acaba ficando por conta dos moradores, que usam armas vindas de um museu para combater os americanos que desejam caçar brasileiros. Então, repare: o filme acaba apelando para a violência, como última forma de resistência, mas ainda com uma outra mensagem por trás. Nada de armas pesadas, arsenais violentos. A saída, aqui, é a própria história da cidade. É algo que está exposto dentro do museu.
Depois disso, Bacurau avança para seu segundo pilar: a questão da identidade nacional. Neste ponto, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles vão construindo a narrativa aos poucos. Primeiramente, é preciso notar de que as pessoas em Bacurau -- que funciona como uma cidade-modelo -- se respeitam independente da profissão, cor, credo. A prostituta convive tranquilamente com a médica. A médica com o matador. E por aí vai.
Depois, a dupla de diretores começa a mostrar como há fragilidades na questão da identidade do Brasil como uma única nação. Há o prefeito com interesses obscuros (ou nem tão obscuros assim), há a dupla de forasteiros do sudeste que se acha superior ao restante do País -- este, arrisco dizer, é o melhor diálogo do filme inteiro. Além de outras pequenas coisas que vão mostrando a falta de um senso comum de união e povo.
A cidade, assim, só consegue vencer a ameaça externa (os estrangeiros, que promovem uma espécie de safári moderno) quando se une e a enfrenta como uma só. Repare, nas cenas de morte dos americanos, que quase não se vê o rosto de quem os está matando. Os tiros saem de dentro das casas e, em certa medida, parece que a própria Bacurau está revidando os ataques. As pessoas, unidas, se tornam um ser só. Uma entidade.
Ao final, os dois pilares que sustentam a trama de Bacurau acabam resultando numa mensagem poderosa. Num momento conturbado do Brasil, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles mostram o caminho para o brasileiro. Primeiro, que é possível resistir das mais variadas formas aos ataques de fora -- e, quando digo "de fora", são ataques contra o povo brasileiro que podem ser proferidos daqui de dentro mesmo, entende?
Para vencê-los, dá para usar música, gastronomia, História. Às vezes, é preciso usar as mesmas armas que o inimigo. Mas o fato é que nada vai funcionar enquanto não existir identidade nacional. Enquanto o povo não se sentir pertencente ao mesmo País. Enquanto isso acontece, agentes externos podem chegar no Brasil a qualquer momento e tomá-lo para si. Afinal, se não considerarmos como nosso, quem o considerará?
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