Um incêndio de proporções dantescas destruiu os 200 anos de história do prédio do Museu Nacional. E outros milhares de anos dentro de suas paredes. Afinal, ainda que a arquitetura do prédio seja de valor inestimável, o que havia dentro é de valor completamente irrecuperável. Múmias compradas por D. Pedro, fósseis de animais e de plantas extintas, objetos criados e confeccionados por sociedades indígenas dizimadas. Eram mais de 20 milhões de itens.
O que choca, porém, é que o estado calamitoso do Museu não era algo de ontem: há anos havia uma situação de emergência circundando o palácio localizado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Vazamentos próximos da rede elétrica, áreas com visitação suspensa por falta de condições -- como a da ossada da baleia jubarte -- e a paralisação quase completa de novas verbas para pesquisa e conservação do acervo ali presente.
Além disso, vale ressaltar o corte de verbas do Museu Nacional ao longo dos últimos anos. Para se ter uma ideia, a verba não tem ultrapassado os R$ 300 mil. O "auxílio paletó" gasto com deputados anualmente, por exemplo, passa de R$ 60 milhões. É trágico e representativo da amnésia política e social que o País está passando. Pensa-se muito em Economia, em agronegócio, em novos empregos, mas poucos lembram que a cultura, a memória, o meio-ambiente e a História são parte essencial nesse processo.
"A gente tem falado dos 200 anos do museu mas as coleções têm muito mais de 200 anos. São joias da cultura mundial e as estamos perdendo devido à incapacidade de dar a atenção devida ao patrimônio histórico no nosso país", disse Paulo Knauss de Mendonça, diretor do Museu Histórico Nacional, ao site G1. "Esperamos que, após esse acidente trágico, a gente consiga apoio para que a sociedade política e civil consiga se mobilizar para defender o patrimônio histórico que está sendo perdido no país".
Candidatos à presidência, porém, parecem pouco preocupados com esse ponto tão crucial na reconstrução de nossa sociedade. Em seus planos de governo, apenas seis falam diretamente sobre cultura. Três falam de maneira lateral. E quatro nem ao menos citam o termo -- Bolsonaro, aliás, o usa para falar de "cultura de violência". Pois é. Não há clareza de como a museologia, a arquelogia, a História e a cultura são importantes para o futuro.
Agora, então, há pouco a ser feito. Os fósseis de Luzia, os dinossauros brasileiros, a baleia jubarte, milhares de insetos, múmias milenares e tantos outros achados arqueológicos foram consumidos pelas labaredas. Sociedades indígenas dizimadas agora ficam só nos livros de história, já que objetos únicos deixaram de existir com o descaso do Governo Federal. Só fotos pelo Google servirão como registro -- e isso não é nada, convenhamos.
A tragédia, muitas vezes, serve como motor de transformação. Como um momento de repensar o que o Brasil precisa -- é de armas? É de mais violência? É de cultura? É de História? É de educação? E, com a grande chance em outubro, fazer mudar esse cenário tão triste que se abate sobre uma sociedade política corrompida. A tristeza e a grande perda do Museu ficam, mas a transformação pode fazer com que as tortas linhas traçadas pelo Brasil nos últimos anos sejam o motor central de um novo futuro que vem aí.
Um futuro com mais memória, mais respeito, mais educação, mais cultura. Um futuro em que não precisemos de chamas para promover uma transformação completa e necessária.
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