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  • Foto do escritorMatheus Mans

Os bastidores do ensaio afro-brasileiro sobre Clementina de Jesus


Mais do que uma grande cantora e compositora, Clementina de Jesus foi a síntese de uma cultura. Ao redor dela, afinal, encontrava-se a mistura do Brasil e da África, elevando a potencialidade da efusão da cultura brasileira. Não se trata de apenas uma identidade. São realidades que se chocam, se completam, se identificam, se entendem. E Clementina, entoando canções clássicas como Marinheiro Só e Embala Eu, trouxe todas as forças que a moldaram e, de alguma forma, originaram o verdadeiro Brasil.

Não é de se espantar, então, que a diretora Ana Rieper (do excelente documentário Vou Rifar Meu Coração) tenha se interessado pela história. Com produção de Mariana Marinho, da Dona Rosa Filmes, o longa-metragem se aventura a contar passagens da vida de Clementina, mas sem deixar de se atentar ao fato de que, ao redor dela, há toda essa cultura junta e misturada. "Não se trata de uma biografia", diz Ana ao Esquina. "Mas de um ensaio que busca desvendar a força das raízes afro brasileiras materializada em uma figura extraordinária."

Abaixo, confira a entrevista completa sobre Clementina com Mariana Marinho e Ana Rieper. A crítica pode ser lida AQUI.

Esquina da Cultura: De onde surgiu a ideia de fazer um documentário sobre Clementina? O que trouxe essa vontade à tona?

Mariana Marinho: Tenho uma ligação com a cultura africana muito forte. Respeito, admiro e pude me aproximar da riqueza de nossas origens quando a Dona Rosa Filmes trouxe 70 documentários contemporâneos de diversos países africanos para serem exibidos no Brasil, na Mostra Africa Hoje. Além dessa paixão e proximidade com nossas origens afros, a música faz parte de nossas obras. Marco Abujamra, produtor do filme comigo, é músico e diretor de cinema, dirigiu um documentário sobre o músico, poeta e compositor Jards Macalé, filme vencedor do Festival do Rio. Depois ainda veio o documentário Mário Lago, estruturado em sua importante trajetória ativa politica e embalado por suas composições que continuam presentes no nosso carnaval, principalmente na boca do povo. O desafio de contar essa história importante de Clementina veio a convite de um amigo do samba, Luis Moraes, e a família de Quelé. Abraçamos com toda dedicação e paixão essa oportunidade de trazermos visibilidade com um olhar poético dessa mulher tão potente, uma das maiores referências da música popular brasileira.

Esquina: Clementina é uma personagem muito complexa. Teve uma vida difícil, foi descoberta tardiamente, influenciou gerações. Como lidar com tantos temas em 75 minutos?

Ana Rieper: O filme busca apresentar uma Clementina viva, espirituosa, formada ao longo da vida nas diversas manifestações da cultura negra brasileira. O jongo, as cantigas ancestrais, os terreiros, as escolas de samba. A partir desses elementos, o documentário mergulha no que faz de Clementina essa mulher icônica, que transitou entre diversos mundos. Não se trata de uma biografia que quer dar conta de um panorama total da vida da cantora. Mas de um ensaio que busca desvendar a força das raízes afro brasileiras materializada em uma figura extraordinária.

Esquina: Qual a maior dificuldade durante a produção?

MM: A maior dificuldade que enfrentamos foi viabilizar imagens importantes para o documentário. Fiquei á frente e tive muita determinação (risos). Teve um trecho que considerávamos estrutural para o filme que foram 6 meses de negociação, mas valeu! Uma curiosidade é que os materiais internacionais foram mais fáceis de serem liberados nos tramites burocráticos do que as imagens de acervos brasileiros.

Esquina: Há muitos sambistas, hoje, que são lembrados apenas esporadicamente ou por grupos bem específicos. Muitos, infelizmente, não lembram de Clementina ou de suas músicas. Como resgatar a memória de uma artista tão importante?

MM: Sim, muitos não se lembram, ou não tiveram acesso, ou são jovens demais… É uma grande responsabilidade, mas realmente acredito que é muito importante investirmos na memória artística e cultural de nosso país. O Brasil é muito rico nesse aspecto. Nossa memória se perde e nossos valores se perdem junto. É uma felicidade termos a oportunidade de realizarmos um filme sobre Clementina, principalmente no momento que vivemos hoje.

Esquina: O que você espera com o documentário sobre Clementina? Quais suas expectativas?

MM: Espero que o filme seja visto pelo maior número de pessoas possível. A intenção é distribuirmos o documentário internacionalmente, já tivemos propostas e estamos avaliando a melhor estratégia para a ampla circulação da obra. Espero também que, através do filme, a voz forte de timbre único de Clementina de Jesus ecoe nos corações da sociedade, nos fazendo lembrar de nossa história para não repetirmos os mesmo erros. Que com a expressão dos olhos miúdos e brilhantes de Quelé, pele negra com bagagem de quem foi neta de escravos, que não esqueçamos o valor da Liberdade! Muitos morreram por ela.

 

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