It. 1922. Jogo Perigoso. A Torre Negra. O Nevoeiro. Mr. Mercedes. Esses seis títulos são adaptações de livros e contos de Stephen King lançados só neste ano. Independente da qualidade de alguns, é inquestionável o sucesso de público. It, a Coisa já arrecadou mais de US$ 670 milhões nos cinemas, ultrapassando O Exorcista nas maiores bilheterias de terror.
Mas uma pergunta sempre ressurge: qual o segredo para tanto sucesso de King? Até hoje, as histórias e tramas de King já renderam 95 produções, dentre filmes e séries, que vão desde obras mais underground, como Olhos de Gato e Comboio do Terror, até produções que são cultuadas por público e crítica, como o original de Carrie, a Estranha, O Iluminado e o sensacional Um Sonho de Liberdade.
Eu sou fã declarado do autor e busquei analisar sua obra, sejam os livros, os contos ou as adaptações em si. E, por meio dessa análise, tentei encontrar o que tornam suas obras tão cultuadas. Mas claro: isso não é um documento definitivo, são hipóteses que queremos que vocês comentem e deem as suas opiniões! Ok? Então vamos lá!
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Densidade narrativa com simplicidade linguística
Stephen King faz algo dificílimo para qualquer escritor: unir a boa narrativa com um vocabulário simples, sem perder a força e o ímpeto de suas histórias. Na maioria de seus livros, as histórias são narradas com muitos e muitos detalhes, que esmiúçam a vida de cada um dos personagens. No entanto, repare: tudo isso é feito de modo simples, sem palavras ou expressões que podem confundir a cabeça do leitor.
Em seu livro Sobre a Escrita, King comenta: “Uma das piores coisas que se pode fazer é tentar enfeitar o vocabulário, procurando por palavras longas porque tem vergonha de usar as curtas de sempre. Fazer isso é como enfeitar seu animal de estimação com roupas sociais. O bichinho fica morrendo de vergonha, e a pessoa que cometeu esse ato de fofura deveria ficar ainda mais”.
E aí você se pergunta: o que isso tem a ver com o sucesso de Stephen King? Bem, em primeiro lugar, ter uma escrita simples aliada à narrativa vigorosa atrai um maior número de leitores e faz com que grande parte desse grupo se sinta atraído pela escrita e por toda a trama de modo rápido e fugaz. E quando essas obras são adaptadas para o cinema, essa beleza narrativa, quando nas mãos de bons roteiristas, consegue deixar a história audiovisual com o mesmo vigor e interesse dos livros do escritor norte-americano.
Um bom exemplo é o livro Novembro de 63, onde King recria acontecimentos que levaram à morte do então presidente John F. Kennedy. Numa narrativa que junta a precisão histórica de Ken Follett com histórias de tramas distópicas, Stephen King atrai qualquer um com uma narrativa cadenciada e que nunca pende para o academicismo. Não é à toa que a história foi adaptada para uma minissérie do Hulu, com um roteiro respeitoso da renomada Bridget Carpenter. Você não consegue desgrudar os olhos.
Personagens críveis
Não adianta: você não vai conseguir escrever um bom livro ou roteiro se a história não tiver personagens críveis e com um pé na realidade -- mesmo que seja uma distopia, uma ficção científica ou uma história sobre carros assassinos. Afinal, o leitor, precisa se sentir parte daquela história.
E Stephen King é mestre em fazer isso. Suas personagens são sempre complexas, sem perder a simplicidade da escrita. O autor norte-americano consegue dar vida aos seus personagens -- mesmo em tramas que exageram no “americanismo” -- Você identifica tipos humanos, sem cair em estereótipos. É a realidade das nossas vidas, de algum modo, retratada nas páginas.
Surpreendentemente, King não deixa a peteca cair em livro algum. Desde seu primeiro trabalho, com Carrie, a Estranha, passando por livros como Christine ou Cujo, seus personagens contam com boas construções de personalidade, independente do que está sendo contado.Cujo, por exemplo: o livro é sobre um cachorro da raça são-bernardo que fica violento após contrair um vírus. Ainda assim, no entanto, leitor sente uma forte identificação com seus donos, entrando na trama de cabeça -- mesmo que grande parte dela seja do ponto de vista do cachorro.
E isso, em adaptações, é essencial. Não só para o público que vai ver aquela história, como para os atores darem vida às pessoas que, até então, vivem apenas nas páginas dos livros. É uma qualidade que ajuda o roteirista desde a preparação do texto e que, sem dúvidas, fica evidente nas telas. Veja Carrie, a Estranha. Em qualquer uma das adaptações feitas, a personagem principal é convincente -- até mesmo na afetada interpretação de Chloe Grace Moretz. Ponto para King, que criou uma personagem que mora em nossas mentes.
Pontos de virada
Um outro atributo presente nas obras de Stephen King é a capacidade de criar fortes pontos de virada em suas tramas. Ou seja: você acha que as coisas estão indo por um caminho, e de repente tudo muda. O interessante, porém, é que isso é feito de maneira discreta e sem alardes -- não é nada parecido, por exemplo, com as reviravoltas criadas pelo cineasta M. Night Shyamalan. Pelo contrário: todos pontos de virada de Stephen King são criados aos poucos, de maneira lenta.
Em O Iluminado, por exemplo, a loucura de Jack vai surgindo aos poucos nas páginas. No começo, afinal, ele é apenas um pai de família que luta contra o alcoolismo e que quer dar um novo sentido para sua vida. Os acontecimentos no hotel e os delírios de Jack, porém, vão incrementando a história e deixando-a pronta para o momento em que ele surta e tenta matar sua família. É um momento de grande impacto para a história e que foi construído aos poucos, sem perder o leitor.
Isso, de algum modo, é levado para as telonas e deixa o público ansioso. Ainda que o filme de O Iluminado tenha sofrido severas mudanças por Stanley Kubrick em sua adaptação, é impossível não olhar para Jack Nicholson e pensar: “meu deus, ele tá surtando. Ele não vai deixar a família sair viva dali. Meu deus, o que tá acontecendo? Ele vai quebrar a porta com o machado!”. Isso tudo é a capacidade de Stephen King em criar histórias que deixam a sua audiência apreensiva e que, mesmo com pistas, criam momentos surpreendentes dentro da história.
Pluralidade de temas
Por fim, façamos um exercício. Veja todos os livros escritos por Stephen King e analise os temas de cada uma de suas obras. Tem de tudo. Recriações históricas, terror psicológico, tramas de suspense, histórias sobre lobisomens, contos inspiradores sobre a vida e até uma história de amor -- que tem momentos trágicos e evocam o pior do ser humano, claro. Ele é um daqueles escritores que não tem medo de se arriscar.
Um ótimo exemplo é o próprio It, a Coisa. A trama é sobre tudo: amizade, medos pessoais, abuso infantil e, veja só, até sobre a criação do universo e seres cósmicos que habitam o vazio obscuro para além da nossa existência. Tudo isso, guardados alguns erros, ajudam a construir a carreira sólida que King trilhou desde a publicação do seu primeiro livro, em 1974.
Isso, sem dúvidas, mexe com o leitor e, consequentemente, com o espectador. Ao falar de vários temas, você consegue mexer com o âmago de cada um -- ainda mais com cada um dos pontos levantados anteriormente, como a narrativa suave e os personagens críveis que criam identificação com as pessoas. Tratar de vários temas é o que permite à Stephen King ter uma carreira tão longa e tão prolífica, com mais de 50 livros, dezenas de contos e mais de 400 milhões de livros vendidos.
No final, se não fosse a capacidade de renovação, ele seria apenas mais um autor na multidão. E, com certeza, não seria possível ter seis histórias adaptadas para o audiovisual em um ano -- veja bem, todas elas muito diferentes e com gêneros distintos. Não há esgotamento. Há apenas um desejo que suas histórias sejam bem adaptadas e que alcancem um grupo ainda maior de pessoas. Afinal, bem escritas elas já são.
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