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  • Foto do escritorMatheus Mans

Resenha: 'A Invenção da Celebridade' investiga surgimento da fama


A capa do livro A Invenção da Celebridade, do historiador Antoine Lilti, não poderia ser mais certeira. Maria Antonieta, em sua clássica pose de aristocrata francesa, posa para uma câmera fotográfica digital. Dois elementos não-contemporâneos, mas que dialogam muito entre si, assim como toda a essência da investigação arquitetada por Lilti nessa sua mais recente obra, editada pela Civilização Brasileira. Afinal, a origem de celebridades -- no âmago de pessoas como Voltaire, Lord Byron e a própria Antonieta -- diz muito sobre o culto à fama que o mundo vive de maneira fervorosa nos dias de hoje.

A obra de Antoine Lilti compreende um estudo acerca dos anos de 1750 e 1850. São cem anos, entre duas metades de séculos, que servem como uma análise certeira sobre a forja das celebridades e suas contradições e problematizações. A partir de acontecimentos que cercaram as personalidades de outras épocas, o livro consegue tecer um estudo aprofundado sobre o tema. É ali, afinal, que houve uma profunda transformação na forma que as pessoas consumiam conteúdo, se entretiam e, em certa feita, até mesmo se relacionavam. É, em suma, os moldes do que o mundo vive hoje.

Assim, por meio da escrita acadêmica, mas leve de Lilti, é possível encontrar discussões sobre assuntos atuais e em voga, como salários exorbitantes de famosos, o culto à celebridade, o acesso à vida privada de um artista, dentre outras coisas. São atos e situações que nasceram no berço da monarquia, no florescer de revoluções culturais dos séculos XVII e XVIII, e que ainda existem. Logo no segundo capítulo, por exemplo, é simples fazer uma comparação entre o que Lilti conta sobre Voltaire em Paris com celebridades brasileiras atuais, como Neymar, Anitta e outros -- sem juízo de valores.

É uma leitura histórica, afinal, que busca se embrenhar nas características sociais e antropológicas da celebridade. Tema este que, até então, fora tratado de maneira muito distante pela literatura e pelo cinema, se atendo a registros nichados e específicos, como é o caso da cineasta Sofia Coppola, citada pelo próprio autor na introdução de A Invenção da Celebridade, por conta do filme Maria Antonieta -- além, vale ressaltar, de Bling Ring e Um Lugar Qualquer. É uma elucidação histórica, conclusiva e para encerrar a conversa. Quer entender o fenômeno Anitta? Leia o livro de Lilti.

Vale ressaltar que A Invenção da Celebridade não é uma obra passiva, porém. O autor não se contenta em jogar fatos secos para apreciação geral dos leitores. Ele quer, acima de tudo, que a pessoa em contato com seu livro pense, reflita, compreenda e devolva ao mundo e ao seu redor. Há problematização, muito sensível, sobre o papel da mídia na construção da celebridade, assim como o acesso indiscriminado à vida pessoal dessas e de outras figuras. E do que vale a autopromoção? Voltaire permitia quadros que exploravam sua intimidade. Escritores alardeavam sobre a vida de seus cães. Isso é ser celebridade?

Há, também, paralelos sobre os efeitos na vida de celebridades mais recentes, como é o caso de Michael Jackson, Lady Di, Kurt Cobain e Marilyn Monroe. A reflexão completa fica nas mãos do leitor, que passa a ter um poder antropológico muito raro e particular.

O livro, de maneira precisa e contundente, se torna essencial para compreender a cultura efervescente de hoje e mostrar, de maneira muito prática e original, como é fácil entender o passado para, assim, compreender o presente e prever o futuro. É claro que há limites no que Lilti pode alcançar -- e ele, é claro, sabe disso. Mas não há problema, já que o leitor consegue ampliar os fatos, contextualiza-los e torná-los mais saborosos e relevantes. Engana-se, então, quem pensa que A Invenção da Celebridade é apenas um livro histórico e memorialista. É, afinal, um estudo sobre a cultura de hoje e como chegamos até aqui.

 

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