Muito do que se lê no Brasil, hoje, parece vir de uma experiência artificial. As pessoas escrevem cada vez mais cedo, falando de sensações que não tiveram, emoções que não sentiram. Pior: falam, muitas vezes, de 'brasis' que não conhecem -- algo que Dodô Azevedo pontuou em sua excelente crítica na Folha. Por isso, e muito mais, que é um alento ler O Corpo Encantado das Ruas, do escritor e historiados Luiz Antônio Simas.
Com uma capa que imita as embalagens de doces distribuídos na época de São Cosme e Damião, o novo livro de Simas é uma ode às ruas, ao Brasil que vive marginalizado, às pessoas de verdade -- e que o autor, claramente, as conhece. São 42 ensaios sobre os subúrbios e a força que emana de cada encruzilhada. Todos eles repletos de uma poesia que passeia pela prosa e deixa um gostinho delicioso ao final. Há erudição e popular.
O fato é que, assim como Agora Serve o Coração, do inexorável Nei Lopes, O Corpo Encantado das Ruas se aprofunda na criação e no berço de um País. Nada de superficialidade ou academicismo. Tudo, aqui, está nas ruas, nas pessoas, no batuque, nas orações. É emocionante, e muito poética, a forma que Simas desbrava a palavra e a coloca em ordem para, assim, fazer com que um País faça sentido nas encruzilhadas.
Cada pequeno ensaio é independente entre si e pode ser lido como se fossem pílulas. No entanto, a linha condutora da obra faz com que haja mais força e impacto no que é lido. As coisas vão 'ornando', trabalhando em prol de um sentido único e quase que visceral.
Há, porém, um bairrismo que por vezes incomoda -- principalmente, acredito eu, quem não é carioca. Muitas coisas falam apenas e somente sobre o Rio de Janeiro, limitando um pouco o bom alcance que o livro poderia ter. Afinal, não é só a cidade maravilhosa que foi fundada nas encruzilhadas, nas ruas, por meio das pessoas. O Brasil, em si, é uma construção social interessante. Algo que Nei Lopes captou melhor em seu trabalho.
No entanto, há de se finalizar esta resenha reafirmando como O Corpo Encantado das Ruas é um livro poderoso, encantador, profundo. A prosa se transforma em poesia, a história brasileira se transforma em magia urbana e social. As coisas se encaixam, ficam bonitas nas páginas. É lindo, enfim, como o espírito brasileiro está nessa leitura. É algo essencial, ainda mais em tempos modernos, em que nada mais faz sentido.
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