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Resenha: Sem trama, 'Estorvo' é crônica de esquetes em tom de sonho

  • Pedro Balciunas
  • 13 de fev. de 2019
  • 2 min de leitura

Escrito por Chico Buarque no início dos anos 90, Estorvo é um livro que deixa gosto amargo na boca, mais pela sua quase trama do que pela narrativa precisa e, por vezes, inovadora. Pode ser considerado um "livro quase". É quase um thriller, pois possui elementos geradores de tensão, suspense e empolgação. Ao contrário, não desenvolve nenhum. É quase um drama policial pois envolve investigações, contraventores e tráfico, mas também não amarra nenhuma dessas finas linhas. Não é só amargor que fica na língua: é também a mesma fome que sentimos em restaurantes que servem um minúsculo prato principal.

Nas pouco mais de 150 páginas vemos o um anônimo vagando pelo Rio de Janeiro após fugir de um misterioso homem que toca sua campainha. A possibilidade desse estranho ser um velho conhecido é o estopim para que o personagem passe por estranhas situações, quase sempre relacionadas às suas memórias de infância: um sítio hoje ocupado por traficantes, um sentimento incestuoso pela irmã rica, uma relação quase que homossexual com um amigo mais velho.

Apesar de ser fundado em reminiscências de outrora, a linguagem usada por Chico nas construções – que é justamente o charme de Estorvo – são as suposições futuras da cabeça da personagem colocadas como um presente possível. O estilo narrativo do livro sempre é um devaneio, como se uma névoa onírica cheia da brisa da praia perpassasse todas as cenas. Quem já ouviu a excelente Não sonho mais, do mesmo Chico, sabe do que estou falando.

Há também um quê de Uma Rua de Roma (você lê a crítica AQUI), mas a ausência de trama faz de cada capítulo um esquete. A repetição de situações e figuras canhestras que se cruzam - quase que de forma despretensiosa, pois não possuem objetivos claros e definidos - transforma a narrativa em algo circular, quase cíclico.

A falta de explicações para o homem que causa todo o desenrolar do livro - quem era, qual o motivo da busca e da fuga e por que não apareceu novamente – é só uma de todas as possibilidades não concretizadas de Estorvo, uma crônica de estranhezas em tamanho grande, mas nem por isso menos prazerosa de se ler.

1件のコメント


Jose Da Costa Marques
Jose Da Costa Marques
2021年9月19日

O amigo foi generoso com Estorvo. Ainda estou pensando como recupera o tempo perdido com essa obra, onde o título faz todo sentido.

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