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  • Foto do escritorMatheus Mans

Inéditas de Adoniran não têm o mesmo sabor das clássicas


No final de 2016, surpresa no mundo do samba: Adoniran Barbosa, autor de clássicos como Trem das Onze e Samba do Arnesto, tinha composições inéditas. Guardadas em uma pasta na casa do amigo Juvenal Fernandes, em pequenos papeis, as letras fizeram barulho pela surpresa da descoberta e pela desconfiança. Afinal, será que são reais? Será que Adoniran as teria guardado com o amigo de maneira tão despretensiosa?

Na última semana, o Esquina teve a oportunidade de ouvir as 14 faixas do novo disco de Adoniran Barbosa, chamado graciosamente de Se Assoprar Posso Acender de Novo. Com interpretações de peso, como Ney Matogrosso, Kiko Zambianchi, Simoninha e Criolo, o álbum chama a atenção por seu apuro técnico. Gravado e distribuído pela Eldorado, o disco é muito bem feito, seja pela capa ou pela qualidade em si.

No entanto, é impossível não se incomodar ou sentir alguma desconfiança enquanto ouve as primeiras canções. É difícil se acostumar com as músicas que abrem o disco, que contam com versos rebuscados e que passam longe dos clássicos de Adoniran. A música Passou, interpretada por Ney Matogrosso, parece vinda da mente de um compositor de boleros.

“Passou como deve passar o que passou, e como passou só sei que deve passar como a onda sobre o mar, como a ave sobre o mar, o rio nas pedras lisas, as árvores sentindo a brisa, o vento pelas folhagens, as flores e as aragens”, diz um dos trechos da canção. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Ney disse que nunca desconfiou. “Parece do Adoniran”, disse o cantor ao repórter Júlio Maria.

Outras músicas, apesar da letra aparentemente parecida com o restante da obra de Adoniran, esbarram em outro problema: tem melodias distantes do que Adoniran fazia. O Barzinho, que é defendida pelo ótimo Liniker, tem versos interessantes, mas que somem numa melodia de jazz e blues — e que nada tem a ver com a obra de Adoniran. Este, aliás, é um ponto usado por Ney Matogrosso para defender a veracidade das letras.

“Ninguém está cantando com aquele dialeto que o Adoniran criou. Isso pode fazer diferença no resultado final”, disse o cantor em entrevista ao O Estado de S. Paulo. Algumas músicas, porém, mesmo que cantadas com palavras erradas e no vigoroso e inconfundível estilo de Adoniran, continuariam na camada de desconfiança que permeia todo o álbum do sambista paulista — como é o caso da canção Naquele Tempo.

No entanto, ao avançar nas músicas do álbum, começa a surgir um arrepio ao imaginar Adoniran interpretando-as. Até Amanhã, brilhantemente interpretada por Criolo, tem ótima melodia, também contando com versos como que resgatam Adoniran, como “por mais que digam os outros, ninguém o nosso retrato, cada um sabe melhor onde aperta o seu sapato.” Junto com Foi na Mosca, diverte e tem uma mensagem típica nas músicas de Adoniran: a sua simplicidade no meio da cidade de São Paulo.

Receita de Pizza lembra a clássica Um Samba no Bixiga. É simples, diverte. É quase uma crônica do dia a dia. “O pizzaiolo de branco amassa a massa e a farinha / soco, murro e bofetada na coitada da bolinha”, diz a letra, defendida por Maurício Pereira e musicada pelo ótimo Jorge Costa.

O auge do disco, porém, está na penúltima faixa, O Mundo Vai Mal. Melancólica, mas ainda com a essência de Adoniran, ela tem versos fortes e que marcam que a ouve. “O mundo vai bem mal e a vida não vai bem, vivendo afinal eu penso ser alguém que segue pela estrada e está enluarada”, diz um dos trechos da canção, interpretada Estevão Queiroga e Yassir Chediak com ares de moda de viola.

Ao ouvir esta música, pense em Adoniran cantando. Para os verdadeiros fãs do sambista, é quase impossível não sentir um arrepio. Quer tenha desconfiança ou não.

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