Não são todos os diretores que têm uma carreira tão versátil quanto Richard Linklater. Sua filmografia conta com dramas impecáveis (Trilogia do Antes e Boyhood), animações não tão convencionais (Apollo 10 ½ e Waking Life), até comédias muito bem sucedidas (Escola de Rock). Além de uma extensa experiência em direção, também sabe escrever roteiros muito bem -- não à toa, já lhe renderam indicações ao Oscar. E em Assassino por Acaso não é diferente.
A história é inspirada em um artigo publicado no Texas Monthly em 2001 por Skip Hollandsworth. Linklater leu há mais de 20 anos e nunca esqueceu da história. E talvez seja justamente o fator inacreditável que torne o filme tão cativante.
Na trama, Gary Johnson é um professor universitário que leciona aulas de Psicologia e Filosofia em New Orleans. Ele é solitário e passa boa parte do seu tempo com seus gatos, Id e Ego, e observando pássaros. Tem um rosto básico, nada memorável e dirige um Honda Civic. Para complementar renda, trabalha com a polícia identificando casos de pessoas que buscam um assassino de aluguel -- daí o nome do filme.
Um dia, é obrigado a sair dos bastidores e ser o cara que negocia as "mortes". Ele sai do lugar de professor esquisito para um cara com lábia e confiante. O fato de ser Glen Powell no papel ajuda a comprar essa mudança de personalidade -- afinal, é bem mais difícil de assimilar ele como um professor certinho e um pouco feio do que como o galã bonitão.
Uma das temáticas que ele leciona na universidade discute a questão da identidade, perguntando aos seus alunos "Você se conhece?", para então discutir sobre o papel que desempenhamos socialmente.
Ainda que seja um bom plano de fundo para conduzir o filme, não é o mais importante para a história. Quando Gary Johnson percebe sua habilidade em interpretar papéis, começa a se vestir de acordo com o que seu cliente espera que um assassino de aluguel seja -- ou seja, com perucas e figurinos esdrúxulos. E é aí que Glen Powell mostra a que veio: finalmente mostrando suas habilidades como protagonista. Ele é divertido, inteligente e ridículo ao mesmo tempo. Há tempos que já havia mostrado seu potencial como em Top Gun: Maverick e até em Todos Menos Você. Mas aqui trabalha brilhantemente e faz rir quase que o filme todo.
Não houve um minuto em que fiquei entediada. Ele é creditado como roteirista junto com Linklater, o que imagino ser algo semelhante ao que o diretor fez em Antes do Pôr do Sol e Antes da Meia Noite, em que Ethan Hawke e Julie Delpy são colocados como roteiristas já que ajudaram no desenvolvimento dos personagens.
Ainda que Glen Powell roube a cena, sua companheira de tela também merece elogios. Adria Arjona (Operação Fronteira e Morbius) é Madison, uma mulher que contrata um assassino de aluguel para matar o marido abusivo. Ela não se encaixa no típico de perfil de pessoas que recorreriam à um assassinato, o que faz com que Gary, disfarçado de Ron, lhe aconselhe a não fechar o acordo e apenas a seguir a vida sem o ex marido. Depois disso, eles se encontram em outra situação e começam um romance. Com ela, ele é sempre Ron: o cara bonito, destemido e charmoso. O relacionamento é quente e os dois têm bastante química.
A história de Assassino Por Acaso é absurda e inacreditável, mas tão divertida que é quase impossível terminar o filme aborrecido. São quase duas horas que passam voando. Apesar do nome, não se engane: não é um filme de ação. É na verdade um filme de comédia, e a melhor de Linklater desde Escola do Rock. Uma pena esse filme ter ido tão logo para o streaming americano. Ainda que não seja necessário assistir numa tela de cinema, definitivamente melhora a experiência. Mais uma vez, Linklater não decepciona.
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