Fiquei decepcionado quando os créditos de Entrevista com o Demônio começaram a rolar na tela e eu só conseguia sentir cheiro de artificialidade -- nada de original, ousado, criativo. E olha que o filme é uma das estreias mais comentadas do mês: depois de ser inexplicavelmente jogado para agosto pela Diamond Films, teve sua estreia antecipada para esta quinta-feira, 4.
Mérito do barulho que as pessoas fizeram nas redes sociais, contra essa lógica ultrapassada de videolocadora. Não dá mais para estrear um filme meses depois da estreia nos Estados Unidos.
Mas voltando ao filme: a ideia é boa, interessante, provocativa. Acompanhamos um único programa de televisão comandado pelo apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian). Ele está em baixa e precisa lutar pela audiência do canal. Com isso, aproveita o Halloween para colocar no palco uma espécie de vidente e, principalmente, uma psiquiatra com uma paciente.
Criador e criatura? Mais ou menos isso: a médica (Laura Gordon) escreveu um livro sobre uma jovem (Ingrid Torelli) que sobreviveu às crueldade de uma seita. Agora, parece estar possuída. E é no programa de Delroy que o mundo vai conhecer essa outra face da jovem, que será inquerida a se revelar ali. Será uma farsa? Ou realmente a jovem está possuída pelo demônio?
É nesse jogo que o longa-metragem se desenvolve. A principal sacada dos irmãos Cairnes, diretores e roteiristas do filme, é colocar o mundo da possessão demoníaca dentro da guerra de audiência da televisão. Delroy não pensa nas consequências espirituais de tal revelação, apenas nos números de audiência. Algo plausível principalmente quando pensamos na TV do Brasil nos anos 1990, quando apresentações como a de Latininho e o sushi erótico aconteciam nas tardes.
Apesar da boa ideia, porém, os Cairnes não respeitam exatamente as próprias regras impostas. Para dar coesão, coerência e criar o senso de suspense, os diretores dão pequenas roubadinhas aqui e ali, principalmente nos intervalos comerciais do tal programa, mostrando bastidores que, muitas vezes, não fazem sentido. Uma conversa nas coxias entre Delroy e seu assistente Gus (Rhys Auteri), por exemplo, fogem totalmente da regra imposta pelos próprios diretores no início.
Faltou coragem aos dois, que dirigiram anteriormente Scare Campaign, em usar mais dessa boa ideia de linguagem. Com isso, é difícil já não sentir uma certa desconexão com a proposta.
Mas o que mais irrita em Entrevista com o Demônio, e que coloca o filme totalmente nessa zona insípida de artificialidade, é como a dupla não sabe como terminar o que começou. Assim como a linguagem não é respeitada, a narrativa também se perde: depois da apresentação com o demônio, o longa parece ficar sem rumo. "Como limpar essa bagunça?", parece se questionar.
O final é caótico, no mau sentido. Nada se resolve, o texto do filme fica transitando entre o real e o imaginado e, pior de tudo, não consegue resolver as próprias intervenções. Os 10 minutos finais são desesperadores de tão ruins. O longa-metragem perde completamente seu senso de orientação e, acima de tudo, manda para às favas essa sua própria linguagem, que desaparece.
Entrevista com o Demônio é um filme que fica no mundo das ideias e, com dois diretores/roteiristas pouco experientes, não consegue se sacudir para encontrar o caminho certo a seguir. Refém de sua própria proposta, parece se esganar para tirar algo de bom no final enquanto os diretores apresentam não mais um show de terror, mas de aleatoriedades.
Pior ainda quando as cutucadas e comentários sociais que surgem no início, principalmente sobre a espetacularização da mídia e o sensacionalismo barato, desaparecem justamente nessa camada de ideias que não se conectam. No final, isso tudo fica em sintonia com a polêmica do filme ter usado imagens geradas por inteligência artificial: boas ideias jogadas em um trabalho artificial que realmente não sabe como prosseguir, tampouco como concluir.
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