Kristen Stewart sempre foi uma atriz desacreditada. Por conta de seu trabalho questionável na franquia Crepúsculo, carregou uma sina. Desajeitada, pouco talentosa, fraca. São vários os adjetivos espalhados por críticos e público quando ela surgia em algum novo trabalho com a atriz, por melhor que fosse — Seberg Contra Todos, Personal Shopper e Acima das Nuvens parece que não existem para quem, mesmo nove anos após o fim de Crepúsculo, ainda a rotula.
Spencer, assim, parece um grito duplo de libertação, de desespero, de quebra de amarras. Duplo, sim. Afinal, por um lado, o cineasta Pablo Larraín (Jackie) está contando, aqui, a história de Diana Frances Spencer, a Princesa Diana. Figura querida pelos britânicos, ela buscou incessantemente sua independência mesmo dentro dos rígidos protocolos da Família Real Britânica. Ousou, provocou e tentou se libertar. Mas, acabou morta em um trágico acidente.
Já Stewart, por outro lado, parece que grita. A tentativa máxima de mostrar que nada mais tem a ver com a Bella do passado, ao interpretar a própria Diana. Está madura em tela e, mesmo que não lembre a Princesa de Gales, incorpora seus trejeitos, sua forma de falar e de vestir. Logo na primeira cena, em um café no meio da estrada, a atriz exagera na dose, força nos trejeitos. Parece que ela, ao lado de Larraín, provoca. "É assim que me imaginavam como Diana, não é?".
Logo depois, porém, essa derrapada em uma cena forçada, que nada tem a ver com o restante de Spencer, some — o que apenas aumenta a ideia de que foi uma provocação. A atriz faz algo deslumbrante e dificílimo nos cinemas: interioriza as dores da personagem, acrescenta camadas silenciosas em sua interpretação. Somos convidados, assim, a ingressar em um final de semana, três dias, na vida de Diana em meio à rigidez organizada e severa da Família Real.
Larraín, ao contrário da ópera sonolenta e artística de Jackie, também traz explosão. Diana sofre por dentro, mas o cineasta não deixa de abraçar o tom fabular ao trazer momentos que expõem esse sofrimento particular e íntimo. É o colar que agarra no pescoço, é a tensão de um jantar, é o relacionamento abusivo. Diana, na pele de Stewart, é uma mulher sufocada em busca de sua própria voz, de sua sensibilidade, de sua dor. Oras, parece que ela nem ao menos pode sofrer!
Para criar e desenvolver esse cenário, não apenas há boas atuações, como também uma recriação impressionante. O Palácio, as vestimentas e até mesmo os cachorros da raça corgi, favoritos da Rainha, estão ali. É um elemento essencial e indispensável dentro da lógica que é construída pelo filme. Diana não só está sofrendo, como também tudo ao seu redor a esmaga cada vez mais, como se fosse um balé da dor, do sofrimento, do desencaixe completo e social.
Dentro dessa lógica, também haveria de ser necessário um bom vilão. Charles aparece realmente em uma cena — o que é o bastante para odiarmos o personagem, mas não para torná-lo vilanesco. Quem assume esse papel é o Major Alistar Gregory, vivido brilhantemente por Timothy Spall (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkabam). Ele personifica toda a rigidez, ordem e tradicionalismo que a Família Real Britânica carrega, sem exagerar na dose.
No final, quando Diana (ou seria apenas Spencer?) grita, se desamarra, Stewart faz o mesmo. Sabe que esses 117 minutos de Spencer são sua cartada, talvez final, de mostrar como é uma atriz para além dos estereótipos que carrega. Se tudo correr como esperado, é mais do que merecida uma indicação ao Oscar em 2022. E assim, quem sabe, a atriz consiga se livrar das amarras de uma maneira que sua personagem, infelizmente, não conseguiu.
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