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Crítica: 'Vencer ou Morrer' faz revisionismo absurdo da Revolução Francesa

  • Foto do escritor: Matheus Mans
    Matheus Mans
  • 29 de jun.
  • 2 min de leitura

Vencer ou Morrer chegou aos cinemas brasileiros em junho deste ano como uma bomba-relógio ideológica disfarçada de épico histórico. Dirigido pela dupla Paul Mignot e Vincent Mottez, o filme se propõe a contar a saga de François Athanase Charette na sangrenta resistência da Vendéia contra a Revolução Francesa. O problema? Em vez de uma exploração histórica nuançada, ganhamos um manifesto reacionário que faria Metternich bater palmas.


A narrativa abraça com fervor quase religioso uma perspectiva que transforma a complexa tapeçaria da Revolução Francesa numa batalha de quadrinhos entre mocinhos e vilões. De um lado, os camponeses vendéanos — puros, piedosos, defensores da sagrada tríade "terra, fé e família". Do outro, os revolucionários republicanos, pintados como demônios saídos diretamente do inferno jacobino. É maniqueísmo puro, temperado com uma nostalgia monárquica que beira o constrangimento.


O que mais impressiona é a audácia com que o filme abraça seu revisionismo. Charette e seus seguidores são santificados numa hagiografia cinematográfica que ignora convenientemente as contradições e violências de sua própria cruzada. A luta pela manutenção de estruturas feudais é romantizada como resistência heroica, enquanto os ideais que moldaram o mundo moderno são demonizados sem cerimônia. É como assistir a uma ode ao Antigo Regime escrita em pleno século XXI.


Hugo Becker esforça-se para dar vida a Charette, mas esbarra num roteiro que reduz seu personagem a um arquétipo de herói trágico sem qualquer profundidade psicológica. Os camponeses que o seguem são meros figurantes idealizados, símbolos ambulantes de uma suposta pureza rural que nunca se materializa em personagens de carne e osso. A direção de Mignot e Mottez, embora visualmente competente, peca pela falta de sutileza — cada plano parece gritar sua mensagem ideológica aos quatro ventos.

A trilha sonora merece menção especial pelo seu excesso. Dramaticamente histriônica, ela tenta forçar lágrimas em cenas que carecem de autenticidade emocional. O ritmo arrastado não ajuda — duas horas que parecem uma eternidade de propaganda disfarçada de cinema épico.


Talvez o mais perturbador seja como Vencer ou Morrer parece alheio ao mundo contemporâneo. Sua exaltação acrítica de valores conservadores e sua demonização sistemática da Revolução Francesa soam como um anacronismo militante. O filme não apenas ignora a pluralidade de perspectivas históricas, como ativamente combate qualquer tentativa de compreensão matizada do período.


É uma escolha narrativa que limita drasticamente o alcance da obra, transformando-a num veículo de propaganda ideológica mais preocupado em endossar uma agenda reacionária do que em contar uma história envolvente. O resultado é um filme que contribui pouco para o entendimento da Revolução Francesa e ainda menos para o cinema histórico contemporâneo.


Vencer ou Morrer desperdiça covardemente a oportunidade de explorar um dos capítulos mais fascinantes da história francesa. Seu conservadorismo militante, aliado a uma execução técnica que não passa do mediano, resulta numa experiência cinematográfica frustrante e intelectualmente desonesta. É menos filme histórico, mais panfleto político — e nem sequer um panfleto bem feito.


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