Por mais que os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fugissem o tempo todo de conflitos políticos, não adiantou. A maioria das perguntas na coletiva de imprensa de Bacurau rodearam temas que envolvem o atual presidente Jair Bolsonaro. "O que o presidente acharia do filme?", "Ele liberaria a captação de verba hoje?", "Você quis passar uma mensagem sobre o Brasil de hoje?" foram algumas delas, que fizeram Kleber Mendonça Filho fechar o semblante e só repetir, sem parar, que não é nada disso.
"Nem quando eu era crítico de cinema queria passar mensagem pra ninguém", disse o diretor de Aquarius e O Som Ao Redor. "Meus filmes são cheios de conflitos que se anulam e acabam gerando uma confusão ao final. Mas mensagem, nunca". Será que o longa não seria censurado por Bolsonaro se fosse feito hoje?, pergunta outro repórter. KMF, então, surpreendeu: "não existe censura no Brasil. Não tem isso, gente", disse o cineasta, contrariando o discurso atual da esquerda. Ficou estranho e difícil de entender.
Mas o fato é que, querendo ou não, Bacurau tem uma mensagem forte por trás. Volta a trazer um aspecto de resistência, como em Aquarius, mais vai fundo numa trama de identidade nacional. Quem é o brasileiro? Somos melhores ou piores do que os estrangeiros? KMF, novamente, não quis falar direito sobre isso. Mas Sônia Braga soube chamar a atenção para uma força do longa . "Acho que o filme é uma revisão do Brasil", disse a atriz. "Bacurau deve ajudar a encontrarmos um caminho em comum entre nós".
Trama e realização
Apesar de Bacurau dizer muito sobre o Brasil de hoje, ele foi feito há um ano e meio. Na época, Michel Temer era o presidente e a possibilidade de Jair Bolsonaro subir à presidência era ridicularizada. Na trama do filme, conta-se a história de uma cidade no interior do Nordeste que começa a ser atacada por estrangeiros -- especificamente, um grupo liderado pelo ator alemão Udo Kier. A partir disso, KMF e Dornelles começam a construir uma trama repleta de significados sobre o Brasil de ontem, hoje e amanhã.
Todo o filme foi rodado na pequenina cidade de Barra, no interior da Bahia. Segundo os atores e diretores, foi criado um vínculo raro com os moradores da região -- que, aliás, fizeram participações no longa-metragem. "Não dá para subestimar as pessoas. Os moradores que participaram da gravação entraram de cabeça na história e no papel de cada um", explicou Bárbara Colen, que faz a determinada Teresa. Dornelles vai além: "as pessoas entendiam e conheciam o filme. Surpreendeu a adesão que nós tivemos", diz.
Além de beber da vida e cotidiano de Barra, Bacurau também se vale de uma série de contextos históricos. Há cabeças decepadas como a do bando de Lampião. Há conflitos armados que lembram revoluções históricas, como Farroupilha e Canudos. Tudo faz muito sentido se você se lembrar do Brasil do passado e que renasce frente aos novos confrontos. "O filme faz referências históricas e que repetem o passado", afirma KMF.
E no único momento que reafirmou uma opinião política, Kleber Mendonça Filho falou de um interessante aspecto de seu filme: as armas usadas pelos personagens vêm do museu da cidade. "Sou totalmente contra as armas. Acho que elas deveriam ser destruídas. Ou virar peça de museu", disse o cineasta. Silvero Pereira, que dá vida ao criminoso Lunga, complementou: "armas só quando precisar se equiparar ao inimigo".
Significado
Curiosamente, quem acabou traduzindo todos os significados de Bacurau foi o americano Brian Townes (Marighella), que mora há alguns anos no Brasil. Questionado quase no último minuto de coletiva, ele falou o que ninguém mais na mesa conseguiu resumir. "Sempre encontro pessoas que ficam chocadas como eu escolhi morar no Brasil ao invés de continuar minha vida nos EUA", diz. "É bizarro isso. O brasileiro acha que tudo que vem de fora é melhor. Não há uma consciência de identidade nacional".
Nesse momento, voltou-se o questionamento: o que fez Kleber Mendonça Filho ficar com tanto receio de falar de política ou de falar sobre sua mensagem? Townes, um americano, conseguiu falar o que nenhum outro brasileiro na mesa disse -- só Sônia Braga e Silvero Pereira chegaram perto. É medo do governo? É receio de bater de frente e minar as chances de ser indicado ao Oscar? KMF não deu sinais. Mas Silvero, de novo ele, falou algo interessante ao final: "nós não podemos responsabilizar a arte em transformar. O que nós queremos é causar alguma reflexão ao final. Isso que é a arte".
コメント