Silêncio. Esta é a palavra de ordem nos filmes do cineasta argentino Pablo Giorgelli, que surpreendeu há seis anos com o excelente Las Acácias e que agora volta aos cinemas com o questionador Invisível. E apesar de ser mais ácido que seu primeiro filme, o diretor mostra que continua apostando na troca de olhares e no significado dos vazios silenciosos para dar ao público uma produção brutal e realista. “Queria um filme que deixasse a câmera tão invisível quanto à personagem”, conta.
O Esquina teve a oportunidade falar com Giorgelli, que vem ao Brasil para lançar seu novo filme. Em pauta, os cinemas argentino e brasileiro, as transformações aceleradas da sétima arte nos últimos anos e, é claro, a importância do silêncio nos dias de hoje, onde há tanta troca de informações. Abaixo, você pode conferir os melhores trechos da entrevista com o cineasta e, clicando AQUI, você consegue ler a crítica completa de seu novo filme, o ótimo Invisível.
Esquina: Pablo, seus filmes tiveram um intervalo de seis anos de um para outro. Por que tanto tempo?
Por muitas coisas. Primeiro: depois do meu primeiro longa, resolvi tomar um tempo, fazer outras coisas. Las Acácias foi um choque, de algum modo, que eu não esperava. Deu a volta ao mundo! E eu queria deixar passar o tempo para não me confundir. E nesse momento também me procuraram para fazer outros filmes, me cobravam o tempo todo. Eu não sabia o que fazer e não queria qualquer coisa. Isso era o que eu tinha claro: não queria contar qualquer história. Ou seja, precisava de tempo para encontrar a história perfeita. Além disso, nesse meio tempo, eu tive duas filhas. Decidi, então, parar um tempo para estar com elas, com minha família.
Meu processo também é um pouco mais longo, pois preciso encontrar o filme aos poucos, sem pressa. Comecei a trabalhar em Invisível em 2013. Faz muito tempo! O que acontece é que até escrever o roteiro, encontrar o elenco, financiar o filme e rodar as cenas leva tempo. São quatro anos de processo! Mas esse é um processo que eu gosto para fazer um filme. Não quero correr. Quero fazer as coisas pouco a pouco, ir descobrindo como é o filme que imagino e que ainda não conheço. Gosto de encontrar a forma e a alma do filme ao longo do processo.
Para mim, fazer um filme é atravessar um processo. E não sei quanto tempo isso dura. Dois, três, quatro anos.
Como foi que surgiu a ideia desse seu novo filme, ‘Invisível’?
Foi um processo, um caminho. Não foi uma ideia. Quando comecei a trabalhar em 2013, fui entrando em contato com algumas ideias que tinham a ver mais com uma família, com a relação de uma filha com sua mãe. A princípio, no primeiro roteiro, Ely tinha 30 anos. Não era uma adolescente. E com o tempo, isso foi mudando e, quando vejo, a história é sobre uma adolescente. Foi aí que percebi que tinha encontrado o tema que eu estava buscando: a adolescência.
E por ser sobre a adolescência, Invisível me transporta para minha própria adolescência. Aí vejo meu bairro, La Boca, onde nasci e cresci. Imaginei Ely nesses espaços e isso, aos poucos, foi definindo as coisas do filme. Primeiro é a classe social, já que La Boca é um bairro da classe trabalhadora. Quando aparece o personagem da mãe, penso na relação das duas no caso de uma gravidez indesejada naquela idade. É aí que aparece a questão do aborto!
Pensando nesse processo, Invisível, pra mim, não é um filme sobre aborto. É um filme sobre a adolescência, sobre a solidão e o desamparo, sobre a perda de identidade. O aborto é só uma questão da história. Há outra questão também que surge do desamparo: o contexto político. Há a necessidade de mostrar isso no filme. Isso, aliás, foi um desafio! Não queria contar de modo explícito. Afinal, falamos de um capitalismo que não tem rosto. É, assim como Ely, invisível.
No final, o tema central do filme é a invisibilidade social.
Sim! Ely ser invisível na sociedade é o que guia a história, seja quando falamos de contexto político ou quando falamos de aspectos mais íntimos da personagem. E a invisibilidade do filme também me guia como diretor. Eu não podia ser aparente, não podia me expôr. A câmera é invisível, não tenho que contar do meu ponto de vista. Tudo tem que ser a partir da Ely. Ela que sabe contar a história.
Aqui, o tema é a forma também! Isso é muito difícil num filme. Eu precisava deixar a história transbordar para minha direção. No final, era isso que queria: um filme simples, direto, sem truques narrativos e formais, sem distrações. O filme não podia ter cenas que te fizessem pensar em outras coisas. Queria valorizar o tempo, queria colocar as pessoas na pele das pessoas invisíveis.
Seus filmes valorizam muito o silêncio. É importante hoje nós termos esse vazio num mundo cada vez mais comunicativo?
Para mim, parece que sim. O silêncio em Las Acácias é diferente de Invisível. Meu novo filme tem muitas palavras, muitos diálogos! O que acontece é que Ely não fala. Todo mundo ao ser redor fala o tempo todo. Palavras no rádio, no hospital, na escola. Já Ely fala pouco. Ela precisa encontrar a resposta para seu conflito interior. Esse, talvez, seja o ponto de contato com Las Acácias. Lá, vemos o conflito do caminhoneiro com sua paternidade. Aqui, é o conflito interno de Ely.
Mas eu tenho dúvidas quanto ao silêncio. Sou bem simples com uma coisa: quando os personagens precisam falar, que falem! Quando não, escutem.
Como você vê o cinema latino-americano hoje?
Existem belíssimos filmes latino-americanos! Mas só chegam aos cinemas os filmes americanos, seja na Argentina ou no Brasil. A produção do cinema na América Latina melhorou muito! É um bom momento para nosso cinema. É um cinema vivo, que tem muita força, mesmo sem dinheiro para produzir. É Venezuela, Brasil, Paraguai, Argentina. Existem até filmes de gênero! Estamos entrando num bom momento, cheio de diversidade.
O problema é a distribuição dos filmes. Eu mesmo conheço muito pouco do cinema aqui do Brasil. Somos vizinhos, temos temáticas e problemáticas em comum. Precisamos fortalecer o vínculo entre os países. Meu filme é uma coprodução com o Brasil e isso é ótimo. Garante que o filme seja encontrado em cinemas de todo País. Só assim para que o cinema seja distribuído em todo o continente.
Você, por exemplo, já viu filmes da Venezuela nesse ano? Do Chile? Paraguai? Uruguai? Eu não vi! Então, precisamos nos unir para que a distribuição seja mais honesta e, quem sabe, a gente não precise mais ir num festival europeu para ver um filme latino-americano. Mas, voltando, é um grande momento para a produção de filmes latino-americanos em todos os países. Todos!
Qual seu próximo projeto para os cinemas? Pensa em alguma coisa de gênero?
Meu próximo filme, que já estou trabalhando, é sobre um submarino. A ideia é acompanhar um submarino com trinta homens durante a Guerra das Malvinas, ao longo de quarenta dias. E isso é um filme de gênero! Até arrisco dizer que Las Acácias é um filme de gênero. A forma como foi contado e filmado, claro, não é tão convencional. Mas é quase um filme de gênero, para mim. Esse, do submarino, também é de gênero, ainda que não seja tão particular.
E desta vez, espero não demorar tanto para lançar o filme! Estou mais animado. Desta vez, não vai levar seis anos. Eu garanto.
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