O cineasta gaúcho Cristiano Burlan, de 44 anos, passou por algumas tragédias em sua vida. A primeira foi a morte do pai, pedreiro que bateu a cabeça e morreu de forma inesperada; a segunda foi o assassinato de seu irmão, morto por traficantes enquanto ia comprar drogas; e, por último, o assassinato de sua mãe, morta brutalmente pelas mãos de um namorado. Cada um deles gerou um filme. E com isso, Burlan acabou por criar a Trilogia do Luto -- Construção, Mataram meu Irmão e, enfim, Elegia de um Crime.
Apesar de prêmios que ganhou pelo caminho, Burlan ainda se mantém extremamente humilde com relação ao seu trabalho e aos frutos que colheu. "Quando fiz Construção, em 2007, fui muito vaiado. É um filme poético, mas bem irregular", comenta o cineasta, quando questionado pelo Esquina sobre a análise que faz da Trilogia do Luto. Mas e depois? "Aí, quando lancei Mataram meu Irmão, em 2013, acabei ganhando o É Tudo Verdade. Em um dia te chamam te medíocre, outro de genial. É muito instável."
Dessa forma, Burlan acabou se mantendo distante do ambiente cinematográfico, que classifica como "um pouco cancerígeno", e fez os seus filmes como uma espécie de rito de passagem. Em Elegia de um Crime, o cineasta examina acontecimentos sobre o assassinato de sua mãe como nunca tinha feito antes. Fala com irmãos, amigos, tias, parentes. Visita a casa em que aconteceu o crime fatídico. Na tela, vê-se o sofrimento do cineasta, que tenta investigar as circunstâncias da morte e entender mais sobre o fato.
"Nesse filme, pela primeira vez, eu parei. Fui até onde consegui. Afinal, eu coloquei o dedo em uma energia, em uma força, que não tem mais a ver com cinema. É sobre vida e morte. Era algo mais forte do que eu sou", comenta Burlan. "Quando comecei a gravar o filme, surgiram algumas vaidades. O desejo de lançar em um grande festival europeu, mudar a carreira. Mas aí passei a encará-lo como um filme menor. Sobre minha mãe."
Com essa mudança de postura, tudo começou a mudar nos bastidores de Elegia de um Crime. A equipe de produção, grande, profissional e oriunda de um primeiro financiamento recebido por Burlan na carreira, foi dispensada. No lugar, câmeras bem menores e amigos próximos. "Não tinha como levar uma equipe dessa para a casa dos meus irmãos, na periferia. Não podia estetizar a morte da minha mãe. Então, optei por amigos mais próximos na equipe e câmeras menores. Voltei às origens", disse o diretor.
Dessa forma, o visual ficou bem parecido com o que foi visto em Mataram meu Irmão. Câmera na mão em vários momentos, às vezes perda de foco. Mas há verdade por trás do que está sendo contado. "Não tenho vergonha do filme. Ele é menor apenas em termos técnicos", disse Burlan, quando questionado pelo Esquina sobre o uso de "filme menor" pelo cineasta. "Eu sei o que um festival francês espera da gente. E não é isso. Alguns colegas optaram por seguir esse caminho, mudando a linguagem, a forma de fazer cinema. Se é certo ou errado eu não sei. Pra mim, mudar isso é a morte."
Além disso, há uma temática que permeia toda a história contada, e que se mostra extremamente atual: o feminicídio. Afinal, sua mãe foi morta em condições particulares, e cruéis, pelo namorado -- que até hoje é foragido de justiça. "Todo filme é um ato político", diz Burlan. "Mas eu fico triste quando vejo pessoas achando que o cinema é uma plataforma para passar mensagens. Há meios de expressão mais potentes para isso. O filme é sobre minha mãe. O feminicídio é uma discussão que surge a partir dali."
Questionado, ao final do bate-papo, sobre o que o move para fazer cinema e como é todo esse processo. Burlan foi franco. Em um primeiro momento, há um motivo pessoal que o norteia -- no caso da Trilogia do Luto, um enfrentamento íntimo. Depois, necessidades vitais. "A profissão é complicada. Eu me mato de fazer um filme, ele entra em cartaz e fica duas semanas passando. E olhe lá. Nem sua mãe consegue ver. Depois isso acaba e já entra em todo processo de novo. Por isso, sempre penso no aluguel do mês pra pagar. Vou aos poucos. Prefiro fazer filme ruim do que ir nesse caminho", finalizou Burlan.
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