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  • Foto do escritorMatheus Mans

Nos bastidores de 'Tito e os Pássaros', paixão, garra e orçamento apertado


Quando começam a falar sobre o trabalho em Tito e os Pássaros, diretores, elenco e produção não escondem o brilho nos olhos. Afinal, foi um trabalho hercúleo. Apenas 150 profissionais e um orçamento reduzido de US$ 1,2 milhão -- parece muito mas, para efeito de comparação, Homem-Aranha no Aranhaverso custou US$ 90 milhões. É muita diferença para um resultado tão próximo em qualidade e que tem a animação brasileira à frente em termos narrativos e estéticos. É um espetáculo visual, com toques expressionistas e que impressiona também pela trama pra lá de atual. É fora de série.

"Começamos o trabalho de escrever o roteiro lá em 2010, quando nem imaginávamos que o País viria a entrar nessa crise cheia de medo, de desconfiança", explicou o diretor Gustavo Steinberg, em entrevista ao Esquina. Ele fala sobre isso por conta da trama de Tito e os Pássaros, que acompanha a jornada de um garoto que tenta salvar o mundo de uma epidemia que transforma as pessoas em pedras -- o medo, em seu mais puro estado. Seria este, então, um filme político? Mesmo sendo feito tanto tempo antes dessa escalada do medo que atinge todos os níveis sociais do País? Steinberg responde.

"Qual filme não é político? A partir do momento que um diretor ou um roteirista conta uma história, a partir do seu ponto de vista, está fazendo política. Tito e os Pássaros faz isso, sem dúvidas", explica o cineasta, que divide o posto de direção com André Catoto e Gabriel Bitar. "Dizem que fomos 'videntes' ao falar sobre o medo tanto tempo antes do que está acontecendo agora no Brasil. Mas não precisa ser um pra imaginar o medo sendo contagioso em São Paulo, por exemplo. Cada um vê o medo de um jeito distinto, mas ele está aí. Temos a Era Trump, temos o porte de armas. É a cultura do medo."

No visual de Tito e os Pássaros, tudo conversa com essa premissa. O visual expressionista, inspirado em artistas como Georg Grosz e Chaïm Soutine, é cheio de pinceladas fortes, quase opressivas. Os personagens, enquanto isso, se adaptaram ao formato. São desiguais, quase disformes. "São pinturas tensas, que dialogam com os quadros pesquisados", explicou o diretor Gabriel Bitar em coletiva de imprensa antes da entrevista. "A gente até pensou em fazer tudo com tinta a óleo, incluindo os personagens, mas não tinha como. Mas o expressionismo, no final, ajudou a produção."

A música, composta pelos talentosos Ruben Feffer e Gustavo Kurlat (de O Menino e o Mundo) também seguem a linha da desformidade. Ao invés de divisões temporais clássicas, a dupla optou por inovar. "Pediram uma música orquestral. Então a gente tinha a tarefa de fazer algo que fosse relacionado ao medo, mas que continuasse dentro do universo infantil", comentou Kurlat, também durante a coletiva. "Então fizemos uma música de treze tempos, que se divide em compassos de 3-3-3-4. No último, com esse a mais, a pessoa sente que há algo fora de lugar, mas não percebe que é a música."

Desafio

Com essa orquestra toda para ser afinada, o diretor Gustavo Steinberg explicou ao Esquina que precisou de muita organização. Tinha tudo detalhado e especificado em planilhas. Nada podia ficar fora ou ter sua projeção errada. "Foi um processo muito organizado. A gente fez todo o filme antes, em rascunhos. Isso é mágico. Consegui assistir ele inteiro sem estar pronto", explicou o cineasta, que já tinha dirigido o longa-metragem Fim da Linha. "Conseguimos fazer todos os ajustes antes do filme entrar em produção e agilizar as coisas. A gente conseguia fazer 8 segundos de filme por dia."

No entanto, o produtor Daniel Greco, também responsável pelo estonteante Uma História de Amor e Fúria, ressalta que este deve ser o fim da linha para as animações de baixo orçamento feitas no Brasil. "São três casos de muito sucesso: Uma História de Amor e Fúria, O Menino e o Mundo e, agora, Tito e os Pássaros. São três casos felizes e que deram certo em todos os níveis. Mas não acho que isso seja mais possível", disse o produtor durante a coletiva de imprensa. "É ruim trabalhar com orçamentos apertados. Não funciona mais assim. Vamos precisar procurar coproduções com outros países."

Steinberg, porém, não tem uma saída tão clara para essa encruzilhada. Ele ainda não consegue ver com clareza qual vai ser o futuro das produções audiovisual no País nesse momento em que tudo é posto em xeque. Não dá pra saber o que receberá incentivos, o que ficará de fora, qual será o canal principal de comunicação -- o cinema? o streaming?. O fato, porém, é que ele continua produzindo. Uma nova ideia já está tomando forma no papel. Mas sem data para finalizar. "Eu demoro com meus projetos".

Fascinação

Denise Fraga é uma atriz completa, que já brilhou em papéis de filmes como De Onde Eu Te Vejo, O Auto da Compadecida e Por Trás do Pano. Nunca tinha feito trabalho de dublagem em uma animação e ficou encantada com o que viu nos bastidores de Tito e os Pássaros -- ainda que o trabalho não tenha sido, de fato, uma dublagem. "Eu e o resto do elenco atuamos de verdade. Como se estivéssemos em cena. Depois o Gustavo [Steinberg] e os meninos transformaram a gente em desenho, até chegar ao resultado visto no filme, mesmo. É um processo incrível", disse a atriz em entrevista ao Esquina.

Fraga viu o filme pela primeira vez minutos antes do bate-papo e ainda estava encantada. Revelou que não acompanha as animações com a frequência que queria -- "assistia muito com meus filhos e, depois que eles cresceram, acabou ficando pra trás" -- e ficou chocada com o rumo que algumas produções estão tomando. Durante a conversa, por exemplo, Steinberg externou sua preocupação com as propagandas em filmes infantis, como visto em WiFi Ralph. "É cheio de propagandas camufladas de empresas da internet. As pessoas nem percebem mais", disse o diretor ao Esquina.

A atriz, que interpreta a mãe do personagem-protagonista, diz não ter planos para novos trabalhos de dublagem, mas que a fascinação pelo trabalho pode ter aberto novas portas. "Tito e os Pássaros é um filme infantil que fala de tantas coisas boas, de coisas tão importantes. É lindo de assistir, a trama é interessante... Tem até um suspense ali no meio. Me orgulho de ter participado do elenco e de trazer uma mensagem tão relevante", disse. "Lutei muito contra o medo. Achei um meio de falar sobre isso agora no cinema."

 
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