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  • Foto do escritorMatheus Mans

'O cinema brasileiro pode acabar com um tuíte', diz diretor de 'Inferninho'


Inferninho é o nome popular que aquelas casas noturnas, muitas vezes decadentes, recebem. São ambientes repletos de sexualidade, misticismo, encontros e desencontros. Espaços de experimentação, de buscas, de revelações. E também, mesmo tendo seu lado triste, não deixa de ter sua cor, seu brilho, sua música. Mais do que um prostíbulo ou um bar, são espaços em que as pessoas podem se libertar, se reencontrar consigo.

E são esses lugares que são homenageados pelo filme experimental Inferninho, que chega aos cinemas nesta quinta, 23. Repleto de cor, extravagância e uma teatralidade que fica impregnada de maneira extremamente positiva, o longa-metragem de Pedro Diógenes e Guto Parente mergulha na fantasia para contar histórias de pessoas que, mesmo vestidas de coelho ou com roupas que mais parecem imaginação, são tão reais quanto eu e você. São pessoas que estão por aí, na névoa densa desses ambientes.

"É uma maneira de retratar as pessoas que saem de um ambiente opressor, o lado de fora, e se libertam em um lugar que parece desconectado com a realidade", resume o diretor Pedro Diógenes ao Esquina. E de fato: durante a exibição do filme, difícil não sentir certa empatia com os personagens e mergulhar naquele ambiente que trafega entre o hostil, o onírico e o acalentador. É um ótimo exercício de direção e de teatralidade no cinema, que acabam gerando um resultado positivo e muito agradável.

Abaixo, conversa com Pedro Diógenes, que falou sobre os desafios do filme, de onde surgiu a ideia, das mudanças no cenário cinematográfico e sobre o futuro incerto.

Esquina da Cultura: De onde surgiu a ideia de 'Inferninho'?

Pedro Diógenes: O filme nasce do encontro de dois coletivos de Fortaleza. Um de cinema, que é o Alumbramento, de onde veio eu e o Guto [Parente, diretores do filme]; e outro de teatro, o Bagaceira, que é de onde vem todo o elenco principal. A gente já gostava muito do trabalho deles e eles também viam nossos filmes. Já rolava essa paquera. Até que participamos juntos de um laboratório de roteiro, em 2013, e usamos a ideia de um exercício de teatro que eles tiveram para desenvolvermos Inferninho.

Esquina: O filme já tem seis anos, então.

Pedro: Foi um processo bem longo. O laboratório acabou em 2013, os roteiros ainda estavam indefinidos. Até que ganhamos um edital, em Fortaleza. Mas era pouca grana. A gente foi adaptando a ideia que nós tínhamos de acordo com o orçamento disponível.

Esquina: Deu pra manter a equipe unida por tanto tempo?

Pedro: Um luxo que eu tive foi ter os atores desde a primeira ideia, passando por tudo, até o lançamento. E são atores que já se conheciam há 20 anos, tinham uma experiência juntos. E depois, na filmagem, também foi importante. Nós filmamos Inferninho num galpão, durante 10 dias, e nesse lugar não pegava internet, nem celular. Nós filmamos o Inferninho numa total imersão.

Esquina: O design da produção chama muito a atenção, por ser tão diferente. Como foi esses processo?

Pedro: A gente tinha um galpão neutro, sem nada. Precisamos construir um universo a partir do zero. Por isso começamos a fazer uma pesquisa em Fortaleza e pela internet desses inferninhos, desses bares que são uma espécia de refúgio para as pessoas. Existe toda uma clientela que já frequenta. Ao mesmo tempo que não queríamos seguir um realismo. Por isso, pegamos essa pesquisa e fomos extrapolando, misturando com a estética do teatro do Bagaceira. Aí entrou a direção de arte e figurino, que usou toda a criatividade possível.

Esquina: E tudo em cima de um orçamento pequeno, não é?

Pedro: O orçamento era em torno de R$ 100 mil. A gente tinha que partir da precariedade, de certa forma, e criar um jogo de filmar tudo em um espaço só. A questão era como renovar esse espaço em termos estéticos e narrativos sem deixar que o filme se tornasse sacal. E pra evitar isso, contamos com o figurino, a fotografia.

Esquina: Como é essa questão de pegar elementos do teatro e levar para o cinema?

Pedro: Isso, de certa forma, sempre foi a ideia do filme. Fazer um encontro entre o cinema e o teatro sem que um não tenha que anular o outro. Uma linguagem potencializa o outro. Eles, como atores, sofrem a questão de no cinema ser menos, ser menor. Mas isso não é verdade. Trabalhamos com a potência do teatro sem ter que oprimir nenhuma das linguagens. Nunca tivemos receio do teatral, mesmo quando isso se torna quase um xingamento no cinema. Era um dos caminhos possíveis.

Esquina: É mais difícil filmar algo mais teatral?

Pedro: Tivemos dificuldades no processo, sim. Afinal, muitos dos atores nunca tinham feito cinema. Eles estavam acostumados com o fluxo do teatro de fazer a peça, interpretar no palco e ir embora. Aquele mesmo processo. E no cinema não é assim. E isso foi algo que fomos trabalhando. Ainda mais que tivemos que filmar ele todo picotado. Tudo que era palco foi filmado em um dia. Tudo que é salão em outro. A gente não tinha equipamento e cenário para fazer o inferninho num dia todo. Não tinha nenhuma linearidade. Para um ator que veio de 20 anos de teatro, não é algo fácil.

Esquina: De 2013 pra cá, quando começaram com a ideia do filme, as coisas mudaram muito no País. Como você agora toda essa situação do mercado cinematográfico?

Pedro: Eu já fui em muitas sessões do filme. E sempre fico ali, vendo a reação dos espectadores. E vejo o filme vindo quase como um acalento, uma esperança. É uma forma de acreditar na vida. É importante olhar para a vida com carinho, ainda mais em um momento como esse. Ali, aquele inferninho, é um refúgio para as pessoas viverem suas fantasias, seus amores e seus desejos de forma livre. O que parece no filme, também, é que fora daquele espaço, não é possível viver toda essa liberdade. Então, que mundo é esse lá fora? E é um mundo que fala de amor livre, de amor sem barreiras. As pessoas vivem suas relações sem preocupações. Isso também, para o atual poder, é uma afronta.

Esquina: Outro dia o 'Esquina' falou com a Gabriela Amaral Almeida e ela comentou sobre o poder da fantasia e do horror de fazer pensar sobre a realidade de outra forma. No 'Inferninho', vemos o mundo pelos olhos da fantasia. Não é isso?

Pedro: Total. A gente fantasia pra falar da verdade. Os filmes de terror estão falando mais da realidade do que documentários. Documentário não significa que estão mais ou menos ligado com a realidade do que a ficção. Inferninho vai beber muito do cinema de gênero. A gente quis muito fazer um melodrama, que no Brasil ficou aprisionado na telenovela. O cinema ficou afastado desse gênero. E a galeria do teatro potencializou isso. Usar o gênero não significa que você está fugindo da realidade. É um diálogo. É um flerte, quase.

Esquina: E felizmente estamos vendo cada vez mais filmes diversos em cartaz por aí, que dialogam entre gêneros e realidades. Será que isso vai aumentar agora?

Pedro: Olha, estamos num momento no cinema brasileiro que não podemos fazer previsões para o próximo ano. O cinema pode acabar com um tuíte. Com uma canetada. E é maluco pois estamos vivendo um auge do cinema brasileiro. São muitas coisas que vemos: de gênero, drama, experimental, independente. E muita gente tá conseguindo encontrar seus espaços. Seja em bilheteria, seja em festivais, em mostras. Chegamos a ter três cinemas cearenses passando ao mesmo tempo nos cinemas neste ano. O cinema no Brasil está vivendo um momento muito potente. Estamos em Cannes! Mas, ao mesmo tempo, ronda essa incerteza. Se as políticas públicas continuassem do jeito que estavam, a gente ia bombar muito. Agora, é tudo indefinido. Uma pena esse caminho.

 

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