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  • Foto do escritorMatheus Mans

'O romantismo da profissão é mentiroso', diz autora de 'Todo Mundo Merece Morrer'


Ainda que trabalhasse com a escrita no meio jornalístico, Clarissa Wolff não era do meio literário. Aliás, pouco relação havia entre a gaúcha e o mercado editorial, tão fechado e restrito aos novos nomes e títulos que pipocam pelo País. "Eu acho que eu tive muita, muita sorte", conta a autora ao Esquina em entrevista por e-mail. "Sempre fui cara de pau e corri atrás do que queria, e meu manuscrito foi aceito sem nenhuma indicação"

O tal manuscrito citado por Clarissa é o seu livro de estreia, o ótimo Todo Mundo Merece Morrer. Escrito em formato fix-up, no qual os capítulos podem ser lidos em ordem aleatória, a obra convida o leitor para uma trama intensa na qual a vida de pessoas é afetada após uma morte que ocorre no metrô de São Paulo. "A história é o que é, e eu sempre espero que atraia leitores e que quem leia goste", comenta a autora.

Abaixo, confira a entrevista completa do Esquina com Clarissa Wolff, a autora de Todo Mundo Merece Morrer:

Esquina da Cultura: Antes de tudo, queria que você falasse um pouco sobre você. Como chegou até 'Todo Mundo Merece Morrer'? O que fez antes disso?

Clarissa Wolff: Essa pergunta é super ampla! Eu trabalho com conteúdo e estratégia digital há quase 10 anos. Já escrevi sobre música por um tempo pra Folha, UOL, Rolling Stone. Mas sempre soube que queria ser escritora. Minha mãe conta que antes mesmo de eu ser alfabetizada pedi pra ela transcrever um poema que eu tinha criado, na adolescência escrevia fanfics de Harry Potter… Mas foi com “Todo mundo merece morrer” que pela primeira vez senti que estava preparada para publicar.

Esquina: Vi um post seu no Facebook falando sobre como é complicado o mercado editorial -- e que lá se desfaz o mito da meritocracia. Como foi a sua entrada no setor? Você desanimou, levou um choque? E o que você diria para quem está começando hoje?

CW: Eu acho que eu tive muita, muita sorte. Sempre fui cara de pau e corri atrás do que queria, e meu manuscrito foi aceito sem nenhuma indicação - era só mais um original. Fazer o curso A vida do livro do Daniel Lameira foi um grande divisor de águas - me mostrou o que existe por trás de todo o livro, o que acontece no meio literário como mercado/indústria, e foi ali que ouvi pela primeira vez nomes de pessoas conhecidas do mercado (editores, diretores comerciais, agentes). Isso tem dois anos. De lá pra cá ouvi informações chocantes - que em muitos anos menos de 10 livros da Companhia foram encontrados pela pilha de originais, por exemplo, e tive provas cada vez mais sólidas e horríveis da diferença de tratamento mulheres e homens. A importância do capital financeiro também ultrapassou os meus sonhos mais doidos, porque ela vai além do investimento monetário e cria uma influência de controle cultural que eu nunca imaginei possível: desde os salários baixos e do encorajamento a se fazer por amor (que é uma forma de cortar completamente quem não vem de meios privilegiados) até a manutenção de um ambiente sustentado por indicações em que nome de família ainda conta muito e em que existem proibições claras sobre o que você pode fazer na sua vida pessoal, o que pode postar nas redes, se pode ou não escrever pra fora. Sim, foi um grande choque. Acho que o texto que eu escrevo é forte sim, mas tenho certeza que tive muita sorte, porque conheço outras pessoas com textos incríveis que seguem à margem.

Pra quem tá começando, eu diria algumas coisas. A primeira é que o romantismo da profissão “escritor” é mentiroso, uma manutenção desse sistema. Mas se você escreve como respira, se isso é quase uma necessidade fisiológica, continua escrevendo. Lê muito. E vai ser cara de pau: encontra autores que você gosta, manda e-mail, chama pra um café. Nem todo mundo vai ser legal com você, mas quem for vai fazer valer a pena. Descobre nomes de editores, agentes, da galera do mercado, adiciona no Facebook, pede conselhos. Vai atrás, se joga. Procura editoras independentes, professores de faculdades. Faz perguntas, estuda, não dá pra ter medo.

Esquina: Tal qual Jennifer Egan, seu livro possui diferentes linguagens para os vários envolvidos na trama central. Como você decidiu usar esse formato? Acha que é mais arriscado?

CW: Não faço ideia se é mais arriscado (risos). Escrevi assim porque a história me veio assim. Sempre brinco que meu processo de escrita tem menos decisões do que a gente pensa, que é muito mais sobre encontrar as peças do quebra-cabeça pra montar a imagem final. Mas também sinto prazer em viver diferentes vozes, então nesse ponto de vista o processo de escrita foi muito bom.

Esquina: Sua história é extremamente contemporânea e com discussões sobre tolerância, aparências, etc. Como conseguir alinhar todas essas discussões, tão pungentes na cidade de São Paulo e no Brasil, numa trama que ainda atraia o leitor? Quais foram os desafios?

CW: Essas discussões são parte da minha vida, especialmente nos anos em que escrevi essa história, que foram meus anos de militância mais ativa. Mas essa pergunta sobre atrair o leitor é meio alienígena pra mim, porque essa discussão nunca aparece quando eu escrevo. A história é o que é, e eu sempre espero que atraia leitores e que quem leia goste, claro, mas nunca sou guiada por esse pensamento. Eu começo a pensar no leitor quando termino a história, sabe? E daí vem uma das partes que eu mais gosto, que essa troca que vem quando a história vai pro mundo.

Esquina: Qual sua expectativa com o livro e quais são seus futuros projetos?

CW: O que eu quero é ser lida, mas acho que esse é o clichê maior de todo mundo que escreve, né? (risos). Mas já to escrevendo (ou melhor, estruturando) outra história que está em estágio bem embrionário.

 
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