Que versatilidade tem o diretor Gustavo Bonafé. Em pouco menos de dois anos, o cineasta comandou a ótima comédia musical Chocante; o excelente drama biográfico Legalize Já!, sobre a banda Planet Hemp; e agora chega com a produção O Doutrinador, que adapta uma HQ nacional sobre um homem que decide fazer justiça com as próprias mãos no ninho de ratos que é a política brasileira. "Eu gosto de ver o diretor de cinema como um contador de histórias", disse o cineasta em entrevista ao Esquina. "Eu só quero que as pessoas se apeguem aos personagens e à trama."
Em O Doutrinador, o resultado deu muito certo. Como já foi ressaltado na crítica completa do filme aqui no Esquina, há a valorização de sentimentos que estão ebulindo da sociedade e uma trama vitoriosa de tão apartidária que é. Grande mérito do elenco, que entrega atuações inspiradas, e de Bonafé, que soube orquestrar elementos tão dessoantes do que é produzido no cenário fílmico brasileiro. "Partimos do princípio de que o vilão é a corrupção. Estando polarizado ou não, a corrupção está de todo lado", diz.
Abaixo, confira a conversa completa do Esquina com o diretor Gustavo Bonafé, que fala sobre os bastidores de O Doutrinador, sobre a série e os desafios da carreira tão plural:
Esquina da Cultura: Como surgiu a ideia de adaptar a HQ? Como foi o começo da conversa com os responsáveis?
Gustavo Bonafé: Os próprios criadores da HQ foram atrás das [produtoras e distribuídoras] Downtown e Paris Filmes. Passado isso, foi vendido para o canal Space para virar uma série. Mas como a Paris e a Downtown são do cinema, fechou o acordo de fazer um filme e a série. Depois disso, a [produtora] Renata Rezende me chamou, li os quadrinhos e vi que era um projeto ousado e com um desafio de fazer um gênero que não é comum aqui no Brasil. Então a gente tinha que entregar algo que não ficava devendo ao que tem lá fora. Mas é um prato cheio filmar um quadrinho. Te dá liberdades que outras coisas não te dão. Isso abre portas criativas e de filmagem.
Esquina: 'O Doutrinador' chega num momento muito polarizado da política e o filme, ainda assim, possui um ar apartidário. Como chegar nesse resultado?
Bonafé: Não acho que foi desafio, já que partimos do princípio de que o maior vilão é a corrupção. E estando polarizado ou não, a corrupção está de todo lado. Cada um vê o político que quer. O vilão não é o A, B ou C. É o modo que a política opera no Brasil. E as pessoas identificam a corrupção em vários lugares. Não tem partido, não tem gênero.
Esquina: Depois do filme, vem a série. Como foi para equilibrar duas produções com um mesmo teor, mas com mídias de aspectos tão distintos?
Bonafé: A maneira de filmar não mudou muito, não. O que altera é o formato de contar a história. O filme é a espinha dorsal da série, que vai desenvolver mais os personagens e trazer tramas que não foram exploradas ou que tiveram aspectos bem básicos no longa-metragem. Para isso, a gente foi filmando simultaneamente, a série e o filme. Isso fez com que a produção pro Space tivesse a mesma qualidade. Só que tem surpresas e o desenvolvendo de personagens com muito potencial, mas sem espaço no longa.
Esquina: E, com isso, personagens do filme terão desfechos diferentes?
Bonafé: Sim, mudamos algumas coisas na série para que ela ainda fosse viável após a liberdade criativa que tivemos no filme. Vamos mudar algumas coisinhas, sem estragar a experiência de nenhuma das duas mídias.
Esquina: O Brasil ainda engatinha nas chamadas 'produções de gênero'. O terror tem ganho espaço no grande público agora, depois de títulos como 'As Boas Maneiras', por exemplo. Vocês caminham na área da ação, especificamente dos justiceiros, que lá fora tem títulos consolidados como 'John Wick' e 'O Protetor'. Como é desbravar esse gênero agora? Quais os desafios que surgem?
Bonafé: Foi interessante. A gente foi descobrindo nossas limitações e encontrando os talentos particulares das produções brasileiras. A gente sentindo, por exemplo, se é melhor ir pelo caminho da maquiagem ou da pós-produção em cada cena. Mas a gente sempre pensou em sequências ou situações que tenham a ver com o Brasil. Precisa ser coisa que funciona. E tem que fazer teste com efeitos especiais, maquiagem, movimentos de câmera. Fazer cinema de ação no Brasil tem uma sensação parecida com a de quando entramos num lugar desconhecido e vamos apalpando pra entender onde estamos.
Esquina: E você tem passado por gêneros variados, desde comédias, passando por dramas e chegando agora num filme de ação com muita violência, sangue, tensão...
Bonafé: Eu gosto de ver o diretor de cinema como um contador de histórias. Eu quero que as pessoas se apegam às histórias, aos personagens. Pra mim, passear por gêneros variados é mais um desafio da direção. Eu tenho referências de muita coisa que assisti. Assisti muito Rambo, muito filme de justiceiros. Para um contador de histórias, o gênero é algo secundário. Foi com esse viés que eu topei esse desafio. Não é fácil tão fazer filme no Brasil. Por isso fico orgulhoso de entregar algo assim.
Esquina: E qual a expectativa com o filme agora? E os novos projetos?
Bonafé: Espero que o filme seja bem aceito. Esperamos entregar um conteúdo que o público aceite a ideia. Mas bilheteria é um incógnita. Só espero que novas portas se abram para esse gênero e para explorarmos novas possibilidades no cinema nacional.
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