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  • Amilton Pinheiro *

Ópera-fílmica do cineasta Milos Forman ganha retrospectiva em SP


No início do filme Hair – dirigido por Milos Forman em 1979 e baseado num musical homônimo da Broadway dos anos 1960 –, um homem mais velho sai de uma casa com um jovem. Provavelmente, pai e filho. A câmara parada filma tudo à distância. Eles saem da casa, entram num carro, depois passam por uma pequena igreja, de uma pequena cidade, até chegar numa parada de ônibus no meio da estrada. O pai se despede do filho, que vai para Nova York se apresentar ao Exército para lutar na Guerra do Vietnã.

Ali, naquelas primeiras cenas, Milos mostra os elementos que sempre abordou em seus filmes. As instituições e os indivíduos, numa luta constante, em qualquer época ou origem social, entre as pessoas que não se adéquam às normas e os ditames das instituições. Seja o Estado, a família, o casamento ou até mesmo a sociedade em si.

O diretor, nascido na antiga Checoslováquia [atual República Tcheca], viu de perto a Primavera de Praga, quando tropas da ex-União Soviética invadiram a capital do País para impor o comunismo, esmagando anseios da juventude e de intelectuais que queriam mudanças. Milos tinha feito seus primeiros filmes no seu país de origem – Audição, Pedro, o Negro, Os Amores de Uma Loira, O Baile dos Bombeiros e Saudades de Sonia Henie – e já trabalhava com os elementos que iriam compor o mosaico de suas obras a serem realizadas nos Estados Unidos, país que se exilou no final dos anos 1960.

Milos Forman ganha retrospectiva completa de toda sua obra. São 14 longas, um curta, e um documentário encomendado, que fez com outros diretores sobre os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, Alemanha. A retrospectiva é realizada pelo Cine Sesc em São Paulo, com curadoria de Giscard Luccas, entre 2 e 15 de maio, com a exibição de todos os filmes em 35 mm e cópias digitais restauradas. A exibição de Making of Sonia Henie, de Karpo Godina, um curta de 32 minutos, realizado em 1972, é inédita no Brasil.

Segundo, o curador Giscard Luccas, que falou com o Esquina por e-mail, os filmes do diretor checo "representam de fato a característica da obra dele: a luta dos indivíduos versus as instituições. A opressão que os personagens sofrem, ou do Estado, ou do preconceito social por serem eles mesmos, por viverem suas vidas com a intensidade máxima, causava repulsa e medo nos outros - e, por esse motivo, eram um perigo social e deviam ter suas existências colocadas a parte. Isso é muito claro em Amadeus, Um Estranho no Ninho, O Mundo de Andy e também em A Época do Ragtime”.

Inspiração

A obra de Forman se alimentou dos grandes eventos do seu tempo de formação, como a Primavera de Praga, a Guerra do Vietnã e o Movimento Hippie, todos nos revoltos anos 1960. Mas ele não quis fazer grandes retratos históricos desse período, ou de qualquer outro, preferindo se concentrar na maneira como as instituições e a sociedade afetam a vida do individuo. Inclusive anônimos ficcionais em filmes como Pedro, o Negro, Os Amores de Uma Loira, O Baile dos Bombeiros, Saudades de Sonia Henie, Procura Insaciável, Um Estranho no Ninho, Hair e Valmont – Uma História de Sedução.

Ou os personagens reais, como o excêntrico e genial Wolfgang Amadeus Mozart, retratado em Amadeus; um comediante incomum, Andy Kaufman, em O Mundo de Andy; o controverso Larry Flynt, dono da revista masculina Hustler, em O Povo Contra Flynt e o pintor espanhol Francisco de Goya, no barroco Sombras de Goya.

Segundo o curador Giscard Luccas, as transformações políticas e sociais ocorridas na antiga Checoslováquia, nos anos 1960, e os conturbados anos da contracultura, nos Estados Unidos, serviram para sedimentar sua carreira. “Todos esses eventos, principalmente o movimento hippie contra a Guerra do Vietnã e o choque do domínio dos comunistas nos anos 60, na antiga Checoslováquia, que Forman viveu intensamente, foram fundamentais em sua trajetória. Mesmo em O Povo Contra Larry Flynt, um filme que temporalmente estava muito afastado da Guerra Fria, tem todos os elementos do que Forman vivenciou nos anos 60: a censura do estado e a liberdade de imprensa”.

Numa entrevista que deu para o crítico de cinema francês Michel Ciment, em 1988, Forman comentou seu fixação em retratar jovens em seus filmes, e expor o embate entre indivíduo e instituições. “Toda opressão provoca essa reação. Pode perfeitamente ser a opressão dentro da família. (...) A primeira rebelião de um jovem é geralmente contra o status quo dentro da família. A opressão é sempre apresentada como destinada a fazer o seu bem”, respondeu ele.

Assim como os personagens retratados nos seus filmes, o diretor checo não se anulou artisticamente ao fazer filmes nos grandes estúdios americanos. Mesmo trabalhando dentro do grande sistema de Hollywood, Milos não se submeteu às imposições comuns das grandes corporações, construiu sua identidade fílmica, elegendo, nos seus personagens avessos às normas, sua crítica a sociedade em que vivia.

“Forman sempre gostou de estender o tempo que fosse para que seus projetos maturassem. Enquanto não se sentia totalmente satisfeito, não iniciava o filme. Por isso há um bom espaço de tempo entre suas produções. (...) Entendo que é uma escolha consciente - tanto pela sua vivência pessoal - quando teve os pais presos pelo regime nazista, e depois sua própria perseguição e censura pelos soviéticos - até o ‘excesso’ de liberdade já nos EUA, se assim pode-se dizer. Tanto os problemas que teve com a censura ainda na Checoslováquia quanto posteriormente, abraçando a liberdade criativa nos EUA, mas de alguma forma se mantendo no limiar entre o mainstream dos grandes diretores e os artistas outsiders foram fundamentais para as suas escolhas temáticas. Ainda novamente o que aparece muito claramente é o embate entre o indivíduo versus as instituições, tanto em Praga quanto nos EUA”, explica Luccas sobre como o diretor lidou com os grandes estúdios.

Um diretor que começou filmando na antiga Checoslováquia e encerrou sua carreira no seu país de origem, com Uma Caminhada de Valor, de 2009, teve reconhecimento profissional em Hollywood, ganhando o prêmio máximo da Academia, o Oscar, por Um Estranho no Ninho e Amadeus, sua consagração máxima dentre seus pares.

Não era um utópico. Não acreditava em mudanças radicais e instantâneas, mas sabia da força que a luta dos indivíduos, principalmente dos jovens, poderiam gerar na estrutura de uma sociedade. “Não devemos generalizar. O sonho não é 100% possível. Mas se os jovens conseguiram fazer com que a sociedade se movimentasse um centímetro, já foi uma grande conquista. E eles conseguiram, Sem esse movimento, talvez a Guerra [do Vietnã] continuasse até hoje [isso em 1988]. A atitude em relação ao sexo, as ideias feministas, seriam impensáveis, há vinte anos, e foram os jovens dos anos 60 que fizeram essa mudança”, concluiria ele, na entrevista dada ao crítico de cinema francês Michel Ciment em 1988.

FILMES QUE SERÃO EXIBIDOS:

1- Audição – 80 minutos – Documentário Ficcional – Checoslováquia (1963)

2- Pedro, o Negro – 86 minutos – Comédia Dramática – Checoslováquia (1963)

3- Os Amores de Uma Loira – 84 minutos – Drama – Checoslováquia (1965)

4- O Baile dos Bombeiros – 72 minutos – Comédia Dramática – Checoslováquia (1967)

5- Saudades de Sonia Henie – 16 minutos – Drama – Checoslováquia (1971)

6- Making of Sonia Henie, de Karpo Godina – 32 minutos – Documentário – Iugoslávia (1972)

7- Procura Insaciável – 90 minutos – Drama – EUA (1971)

8- Visions of Eight, de Milos Forman, Ken Ichikawa, Claude Lelouch, Yuriy Ozerov, Arthur Penn, Michel Pfleyhar, John Schlesinger e Mai Zetterling. Forman dirigiu o episódio O Decathion – Alemanha Ocidental/EUA (1973)

9 - Um Estranho no Ninho – 137 minutos – Drama – EUA (1975)

10 - Hair – 121 minutos – Musical – EUA (1979)

11- Na Época do Ragtime – 155 minutos – Drama – EUA (1981)

12 - Amadeus – 180 minutos – Drama – EUA/França (1984)

13 - Valmont – Uma História de Sedução – 137 minutos – Drama/Romance – França/Reino Unido (1989)

14 - O Povo Contra Larry Flynt – 130 minutos – Comédia Dramática – EUA (1996)

15 - O Mundo de Andy – 118 minutos – Comédia Dramática – EUA (1999)

16 - Sombras de Goya – 113 minutos – Drama – EUA/Espanha (2006)

17 - Uma Caminhada de Valor, de Milos e Petr Forman – 85 minutos – Musical – República Tcheca (2009)

SERVIÇO

Onde? Cine Sesc. Rua Augusta, 207 – Cerqueira César – São Paulo.

Quanto? Entre R$ 3,50 a R$ 12,00

Quando? Entre 2 a 15 de maio.

 
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