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  • Foto do escritorMatheus Mans

Qual o significado de ‘Mãe!’, novo filme de Darren Aronofsky?


Atenção: a matéria abaixo está LOTADA de spoilers. Só leia se você viu o filme ou não liga para spoilers

Ao terminar a projeção de Mãe!, novo filme do cineasta Darren Aronofsky, uma confusão se abate na mente de seus espectadores. É inevitável. Ainda que o filme siga uma narrativa e estrutura aparentemente lineares, os últimos 20 minutos da trama derrubam qualquer tipo de entendimento sobre o significado da história e de personagens. Afinal, tudo ali é alegoria e, por isso, cada um pode interpretar de acordo com suas opiniões, sentimentos, emoções e experiências de vida.

No entanto, uma alegoria parece reger o entendimento do filme como um todo: a religiosa. Aronofsky revisita o tema depois de Noé para dar um ar carregado de ferocidade e crítica contra o sistema que se abate sobre nós. Aqui, no caso, conhecemos o relacionamento de Deus (Javier Bardem, magnífico) e a Mãe-Terra, interpretada com sobriedade e maturidade por Jennifer Lawrence. Em Mãe!, entramos na casa das duas divindades e vemos a história acontecer.

Começa com a chegada de Ed Harris (Adão) e que, após tirar uma costela, dá origem à Michelle Pfeiffer (Eva). Dois intrusos na casa do criador, mas recebidos com alegria por Deus e com desconfiança pela Mãe-Terra. Afinal, eles tomam conta do lugar e não pensam na verdadeira dona da casa. Tudo vai mais ou menos bem até que o casal de estranhos em questão quebra um cristal e começa a enfrentar uma série de eventos ruins -- em referência óbvia à Maçã do Éden.

O primeiro infortúnio acontece após uma briga entre dois filhos (Caim e Abel, vividos pelos irmãos Brian e Domhnall Gleeson) que acaba resultando na conhecida e trágica morte de um dos rapazes. Depois disso, a Mãe-Terra perde o controle pela primeira vez -- no filme, é quando o velório acontece e sua casa é invadida e, em alguns momentos, chega a ter suas paredes pintadas pelos visitantes. Tudo acaba, então, quando um casal quebra uma pia e enche a casa de água (lembrou de Noé?).

Depois, calmaria. Tudo parece que vai bem e a Mãe-Terra chega a engravidar de um filho que pode vir a ser o salvador da Terra (Cristo, se pensarmos nas religiões cristãs). Porém, as coisas começam paulatinamente a sair do controle quando Deus escreve a principal obra de sua vida -- a história da humanidade -- e as pessoas começam a louvá-lo cegamente, às escuras. E aí começam aqueles 26 minutos finais de tirar o fôlego, onde tudo acontece na casa da Mãe-Terra.

Se pararmos para analisar, há dezenas e dezenas e dezenas de referências em cada um dos acontecimentos que explodem na tela durante os 20 minutos finais. Há referências ao extremismo religioso, à morte de Cristo (e que tem seu corpo e sangue dividido entre seus fiéis). Mas a principal e mais desconcertante é a mensagem final, onde Aronofsky parece que grita para a tela: parem! Vocês estão destruindo tudo que a Terra e a Natureza nos deu. Parem antes que tudo exploda!

No final de Aronofsky, tudo explode com Jennifer Lawrence colocando fogo em óleo quente da caldeira da casa -- ou o núcleo da Terra, se preferir. Em seguida, entra uma narrativa de Möbius, que é quando uma história não tem começo ou fim e entra num ciclo eterno. O cineasta, em entrevista concedida nesta terça-feira, 19, durante sua visita em São Paulo, pareceu concordar mais com a interpretação ambientalista e religiosa de seu filme. Sua camiseta, aliás, estampava a frase “Todos pela Amazônia”.

“A mensagem de que temos de cuidar do nosso planeta está nas escrituras, na Bíblia, e até o papa tem falado sobre essa questão ultimamente. Em algum momento, parece que nos esquecemos completamente dela”, disse Aronofsky. Apesar deste sentimento e de toda a mensagem pessimista que o filme passa, o cineasta afirmou ainda ser um otimista com o mundo e com o que deverá vir pela frente. “O que está por trás do filme é a esperança”, disse.

Vários detalhes artísticos, linguísticos e cenográficos de Mãe!, porém, não foram discutidos por Aronofsky na coletiva. Em vários momentos, por exemplo, a personagem de Jennifer Lawrence toma um líquido amarelo e que restabelece as suas forças. Quando questionado, o diretor e roteirista não quis explicar o significado desta bebida. ‘Não vou relevar o que quis dizer com essa bebida”, afirmou Aronofsky, se divertindo com a curiosidade dos presentes. “Vai junto comigo pro túmulo”.

Sociedade e política. Outra interpretação possível para a alegoria do filme é em aspectos sociais, principalmente no que concerne à questão feminista. Ao analisar a trama, Jennifer Lawrence se mostra como uma mulher que não é ouvida por seus pares e tratada de maneira leviana pelo marido, que não se importa com sua opinião sobre a estabilidade do lar. No entanto, parece que esta é uma questão menor no filme -- afinal, qual seria o motivo para todas as outras alegorias?

Aronofsky também não pareceu tão entusiasmado com a ideia, apesar de ter afirmado que Jennifer Lawrence -- que também é namorada do cineasta -- se entusiasmou com a ideia ao ler o roteiro. “Jennifer respondeu ao material muito rápido porque é algo diferente, mas também porque é algo em que ela acredita”, afirmou Aronofsky. “A ideia de uma casa que tem tudo e acaba sendo tomada de assalto por convidados rudes e mal educados pode ser difícil de entender.”

Uma outra possível alegoria é a possibilidade de falar sobre a política norte-americana, que é tomada pelas decisões conservadoras de Donald Trump. Um jornalista ainda alertou que estamos vivendo em uma fase do cinema onde está cada vez mais abundante o uso das tais “visitas indesejadas” -- neste ano, o tema já foi tratado pelo terror Corra! e pelo drama de época O Estranho que Nós Amamos, de Sofia Coppola. Seria tudo uma alegoria sobre os imigrantes nos Estados Unidos?

“Duvido”, afirmou de maneira contundente o cineasta. “Eu escrevi esse filme em 2015. E eu aposto que Corra! e O Estranho que Nós Amamos começaram a ser produzidos antes. Ou seja: naquela época ninguém nem imaginava Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.” No final, ele ainda brinca: você pode relacionar o filme com aquele parente distante que te visita e deixa marcas de cigarro no tapete. “Desse cara, você nunca vai esquecer”, alfineta o cineasta.

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