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  • Foto do escritorTamires Lietti

Rodinha no Pé: Minha experiência viajando na Tanzânia










Em 2020, no ano ápice da pandemia, eu passei meu aniversário dentro de um avião da Ethiopian Airlines rumo a Tanzânia. Voo só de ida. Hoje, ao contar aos outros a narrativa da minha temporada por lá e tudo que aconteceu durante esse período, penso que talvez eu concorde com o que muitos me dizem quando me escutam: foi um verdadeiro ato de coragem.


Na época, eu não dimensionava isso muito bem e, para ser honesta com vocês que eventualmente me leem, eu ainda não sou muito boa em dimensionar essa questão de coragem. E contando e recontando minhas histórias, lembrando e reacessando minhas memórias que percebo que talvez ter ido a Tanzânia sozinha, sem saber o que seria depois de lá e com planos em estado embrionário tenha, sim, me exigido bastante coragem


Os motivos por trás da minha decisão de ir a Tanzânia são uma lista longa, mas o que mais me motivou a “bater o martelo” para embarcar nessa aventura foi o desejo de voltar a preencher meu dia a dia com interações com crianças em um contexto de sala de aula. Eu havia acabado de “perder” minha vida na China, onde ensinava com muita paixão, e sentia muita falta disso.


Com o dinheiro que fiz durante a pandemia trabalhando remotamente e vivendo em ritmo de gasto 0 com minha família, comecei a procurar opções que pudessem dar ao meu ano de 2020 um novo sentido. Acredito que muitos de nós tenham sentido essa falta de direcionamento no ano da pandemia. Troquei tudo que tinha produzido em uma casa de câmbio e me preparei pra viver uma jornada como professora na periferia de Dar Es Salaam, na capital da Tanzânia.

Achei na plataforma Worldpackers um “host” chamado Emanuel, que administrava uma escola local numa comunidade e buscava voluntários. Achei que a oportunidade era absolutamente minha cara e o que eu buscava naquele momento. Eu passei anos fazendo trabalhos sociais no Brasil e já sabia como seria o contexto, só que dessa vez eu faria tudo ali, bem na África.


Passei de maio a agosto daquele ano trocando mensagens constantes com Emanuel, alinhando detalhes e coletando doações de materiais, brinquedos e “props” que preencheram uma mala de 23kg. Quando embarquei, minhas intenções eram das melhores e tinha certeza que tudo que planejei com Emanuel me faria muito bem. Estudei bastante sobre a questão do salvadorismo branco e tentei me educar ao máximo sobre meu papel no contexto que estava tão animada para viver e tentar exercê-lo de forma justa uma vez que eu sabia que a estaria dentro de um cenário onde minha realidade fica do outro lado do escopo da realidade que me daria as boas-vindas.


O tempo que passei na Tanzânia foi repleto de surpresas, mas antes de engatar algumas linhas focando naquilo que enfrentei de perigos e situações que fizeram meu radar quase que explodir, acho importante deixar claro que as crianças com quem me relacionei e com quem troquei carinhos e momentos são um pedaço completamente independente desta narrativa.


As massinhas coloridas, canetões, adesivos e doces que levei para as crianças da escola arrancaram os sorrisos que sonhava em ver quando tive essa ideia. As mães da comunidade que conheci, as aulas que de fato conseguir dar e uns muitos momentos de colo e brincadeira são memórias potentes dentro de mim. Não me arrependo em momento algum de ter ido a Tanzânia e me arriscado nessa missão formada por 50% de planejamento e 50% de aventura.


Conto essa história com muito amor e honra, mas fazer trabalho voluntário na África na pele de uma mulher branca viajando sozinha me deixou com uma série de desafios inesperados e dignos de Hollywood para enfrentar no meio do caminho. Como mencionei acima, eu sabia de alguns desafios inerentes a minha presença numa situação como essa, mas não sabia que seria tanto. Eu ainda não tinha parado para racionalizar a dinâmica de ser mulher viajante e sozinha.


Esse estilo sempre foi algo natural pra mim, até dentro do meu País, mas conforme fui me expondo a novidades, perigos e incerteza, descobri que o que pode acontecer ao redor de uma viajante como eu encheria muitos e muitos livros e capítulos levemente assustadores.


No meu quinto dia na Tanzânia, alguém entrou no meu quarto e roubou quatro cédulas de 100 dólares do meu bolinho de dinheiro. Eu tinha um valor considerável em espécie, porque ainda não tinha os anos de estrada que tenho hoje, dois anos depois, e as soluções financeiras um pouco mais fáceis para quem vive como eu. A minha falta de malicia (coisa que hoje tenho de sobra) me impediu de ter o cuidado de verificar se o quarto que me foi oferecido na casa de Emanuel tinha tranca. Não tinha, de qualquer forma, mas eu honestamente nem reparei nisso logo quando cheguei. Precisou o problema acontecer. Desde o ocorrido, tudo desandou.

A comunidade que já visava a casa de Emanuel com três voluntárias de fora (na mesma casa havia uma outra brasileira e uma polonesa), passou a visar ainda mais; parecia que todo mundo sabia do roubo (e sabiam!) e meu nome caiu na boca do povo. As potenciais teorias de quem havia entrado na casa e roubado o dinheiro corriam comunidade afora e envolviam o nome do próprio do Emanuel e de outros amigos que me tratavam com muita educação e cortesia.


A hostilidade da situação afetou a todos e piorou no dia que Emanuel simplesmente despencou do telhado de madrugada, abrindo um verdadeiro rombo no telhado da casa. As pessoas que assistiram minha história no Instagram ainda lembram de todos os detalhes desse episódio.


Desde o dia que Emanuel misteriosamente caiu do telhado até o dia que eu e todas as voluntarias decidimos que não dava mais pra insistir nessa história, muito aconteceu. Emanuel desapareceu por dias e nossa “mama” (esposa dele) também passou a ser uma presença rara. As más línguas especulavam que tudo que aconteceu envolvia bruxaria e crenças, algo que eu não gosto de falar sobre já que pouco entendo a respeito da fé de cada povo africano e suas diversidades. Não acho certo fazer essa associação e acredito que seja um desserviço a desmitificação das crenças que nós, “western people”, temos de culturas como as da África.


O fato é que nos encerramos o ciclo dentro da comunidade sem nenhuma resposta, apenas com teorias. Quando arrumei minhas malas pra sair, "mama" me pedia desculpas com um semblante de muito pesar. Respostas chegaram de vários lugares, inclusive de outros voluntários que já passaram pela casa de Emanuel e viveram situações também misteriosas e até assustadoras. Em nenhum momento eu senti minha integridade 100% em perigo nessa situação e sempre sou questionada a respeito disso. Não senti medo, mas senti uma imensa tristeza num mix de adrenalina por estar fazendo parte de uma situação que só imaginei ser possível nos filmes.


Meu caminhar repleto de trechos “desasfaltados” na Tanzânia não terminou por aí. Nos finais de semana, eu saía da comunidade onde vivia e ia para o centro da capital na tentativa de conhecer coisas novas, ter momentos sociais e fazer amigos. Em uma dessas tentativas, cruzei novamente meu caminho com pessoas de intenção duvidosa, dessa vez na cidade.

O rombo no telhado após a queda misteriosa de Emanuel

Passei muitos dias vivendo momentos super gostosos com essas pessoas que conheci, mas descobri, no final, que havia algumas coisas acontecendo por trás que eu nem desconfiava. Precisou um policial muito jovem na única delegacia de polícia de Dar Es Salaam me alertar com a seguinte frase: “cuidado, essa pessoa não é quem diz ser” pra que eu realmente desistisse de tentar achar respostas e entendesse que meu ciclo precisava terminar.


As minúcias dessa história é um papo pra uma noitada num bar com algumas muitas cervejas geladas. E olha que eu nem vou entrar no mérito do dia que fui largada no meio da estrada após um policial corrupto aprender minha scooter alugada. Senão, você, leitor, não sai daqui hoje.


Vale lembrar que tudo que coloco aqui a respeito não tem absolutamente nada a ver com racismo inverso. Assim como na China eu chamava muita atenção por não ser asiática e no Egito por não ser muçulmana, na Tanzânia eu chamei muita atenção por não ser preta.


É praticamente uma lógica matemática por trás desse fenômeno e eu em nenhum momento me vitimizei (ou me vitimizo) ao refletir sobre tudo que passei. O que trago aqui são histórias pra contar, relatos reais e temperados de alguém que se expôs bastante a contextos desafiadores de navegar e entender com maestria. Independentemente de ter cruzado meu caminho com algumas pessoas má intencionadas, a Tanzânia ainda ocupa um espaço muito positivo na minha caixinha do passado. Eu conto essas histórias como parte de quem sou como viajante e também como uma forma de promover discussões a respeito de toda essa questão da “coragem”.


É essencial entender até onde vai a sua coragem antes de se expor a contextos novos, seja em um País pouco explorado quanto a Tanzânia ou em umas férias de 15 dias na Disney. Sem isso, histórias têm um potencial absurdo de virarem traumas, e isso a gente não quer. Quando penso em dias de paz, também penso nos dias que tive na Tanzânia explorando a natureza sozinha depois que a onda de perrengues passou. Os sorrisos das crianças com quem brinquei de massinha e desenhei na lousa da escola seguem comigo. Os amigos gentis que fiz em Zanzibar e me mostraram temperos e cores locais também são parte de mim. As comidinhas locais, simples e deliciosas, ainda são memória sensorial dentro de mim. Os amigos que lá fiz, as tribos que tanto me fascinaram e os animais que vi de perto em um ato de devoção a natureza me arrancaram lágrimas dos olhos. No mês que vem, conto tudo isso (também) pra vocês!


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