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  • Foto do escritorAmilton Pinheiro

'Sou uma pessoa que convivo comigo com muita honra', diz Angela Ro Ro


Quero deixar registrado aqui, devidamente escrito, que é uma enorme satisfação para qualquer jornalista entrevistar a cantora, compositora e apresentadora Angela Ro Ro, independente das suas respostas ácidas e bem humoradas. Dona de uma franqueza e lucidez incomuns, saímos da entrevista, como acontecia com os artistas que passaram pelos dois programas que ela apresentou no Canal Brasil, Escândalos e Nas Ondas da Ro Ro, com um sorriso largo e uma alegria pelo papo, pela troca de ideias e por ficar conhecendo mais um pouco sobre uma das maiores cantoras brasileiras, que começou a carreira tardiamente, quase aos 30 anos, em 1979, com o lançamento do primeiro disco, por não se sentir segura e pronta para começar a cantar.


Na entrevista que fiz pelo WhatsApp, com perguntas escritas, enviadas, e respostas por áudios (veja na entrevista a seguir), a artista, que faz show nesta sexta, 15, em São Paulo, no Sesc Belenzinho, fala com seu humor ácido e franqueza peculiar, inclusive corrigindo algumas informações e mandando o repórter pesquisar mais, sobre o retorno aos palcos em Cheio de Amor para Dar, numa apresentação intimista ao lado de Ricardo Macccord, no teclado, depois dos meses de isolamento por conta da pandemia de Covid-19. Também pelas dificuldades financeiras que começou a enfrentar por não conseguir trabalhar (não conseguia vender um show por live, como artistas fizeram na pandemia, o que só aconteceu muito tempo depois).

Chegou a pedir uma vaquinha nas suas redes sociais, em duas ocasiões, para poder pagar as contas que se acumulavam. Na época, recebeu apoio, solidariedade, e também críticas. “Quem paga minhas contas não é pudor, nem fofoca, nem intriga, nem julgamento de outras pessoas, é meu dinheiro honesto. Mas não titubiei, não vacilei, e postei, realmente, que estava precisando. Quem pudesse botar uns R$ 10, alguma coisa, qualquer tostão seria bem-vindo. O que me safou foram os amigos, porque tive bastante amigos, mais que fãs, mais que seguidores, que entenderam minha aflição e o despudor de pedir, de fazer uma vaquinha”, explica sem rodeios.


Apesar do aspecto intimista do show, com voz e teclado, que ela apresenta ao lado do músico e parceiro de muitos anos, Ricardo Maccord, a cantora explica que é uma apresentação cheia de sonoridades, que nem parece não ter banda. “Esse show é realmente um formato intimista, no sentido físico, porque sonoramente ele é bem ‘gordinho’. A gente não leva trilhas sampleadas nem imitadas de ninguém, não. Mas o Ricardo Marccord, com seu talento e criatividade, que são imensos, e nossa comunhão de mais de trinta anos juntos trabalhando, faz um som no teclado, com seu computador aliado, ou mesmo com o teclado sozinho, que não falta banda, entende?”.


No repertório, seus grandes sucessos, que são muitos -- grande parte do início de sua carreira, do seu primeiro disco Angela Ro Ro (1979), como: Amor, Meu Grande Amor, Gota de Sangue, Tola Foi Você, A Mim e a Mais Ninguém, além de Fogueira, Só Nos Resta Viver e Compasso. “(…)A gente passeia realmente dos blues a Bossa Nova com alguns sucessos que gosto de insistir em dizer que a plateia, o público, os fazem, o público assim o faz. É a plateia, o público, que é nosso alvo e que fabrica o sucesso do artista. Sem o público o artista não é nada. Então, agradeço muito, realmente, as pessoas que tornaram tantas músicas minhas em sucessos”, fala.


Tendo já passado por muitas crises, não somente na carreira, mas principalmente na vida pessoal, com escândalos de toda ordem, desde as brigas com as namoradas, que terminaram algumas vezes em violência física, temperamento difícil e agressivo com as pessoas, excessos de álcool, com tudo sendo devidamente explorado e distorcido pelo noticiário que se alimentava dos episódios de forma implacável. “Mesmo que as pessoas e a própria imprensa tenham sido muito mal, cruéis e caluniadoras contra mim, Mas eu não estou nem aí, entendeu? A caravana passa e eu sou o líder da minha caravana. Ninguém, ninguém, vai me impedir minha obra, ninguém vai impedir a verdade de vir à tona, não, ninguém. E quem é omisso e compactua com a fofoca, é pior ainda do que o fofoqueiro, enfim…”, diz hoje sem rancor algum e com a certeza que só o tempo e o aprender fazem. Angela olhar para frente com a sensação de não dever nada a ninguém, nada. Ela gosta da sua companhia, e isso, como ela diz, não é pouco, nada pouco.


E olhando para frente, Angela Ro Ro segue sua caravana, sem os excessos do passado, mas sem julgar quem os têm, e fala que está terminando, no seu tempo, uma autobiografia sobre sua vida, já que não permitiu que o DJ Zé Pedro continuasse escrevendo sua biografia. “O Zé Pedro me bloqueou em tudo que é rede social. Ele está p. da vida comigo porque eu não permiti que ele fizesse minha biografia”, fala às gargalhadas, e revela que gostaria muito de voltar a apresentar um programa de entrevistas, nos moldes dos que teve no Canal Brasil, Escândalos e Nas Ondas da Ro Ro. “Mas de qualquer forma, planos eu tenho, mas vamos ver se alguma TV ou até mesmo o Canal Brasil, seria ideal. Adoro o Canal Brasil e adoraria voltar a apresentar lá”. Além disso, ainda no segundo semestre deste ano, o curta-metragem Angela será rodado sobre sua vida e carreira, com pintadas de ficção e documentário. A seguir, leia a entrevista com Angela Ro Ro.


Esquina da Cultura: O que foi mais difícil durante a pandemia de Covid-19, que lhe afastou mais de dois anos do palco? Qual a sensação da volta? E por que passou por tantos apertos monetários ao ponto de postar nas redes sociais um pedido de vaquinha para os fãs? Não teve medo da exposição e dos julgamentos?

Angela Ro Ro: Bom, não teve realmente, a não ser o pavor da pandemia… Eu sinceramente não tive nenhum momento de aflição, porque gosto do isolamento, gosto da casa onde moro, nas Regiões dos Lagos, que tem bastante verde, ar puro, silêncio. O mais difícil foi quando o dinheiro estava acabando, acabando. A caderneta de poupança, cadê? Quando chegou no cadê, eu falei “Ah, não, não tem nenhuma live para fazer, não tem nenhum trabalho feito em casa para eu poder ganhar meus tostões….” porque é disso que vivo, “não tenho aposentadoria, não tem carteira assinada, não tenho a pensão do meu pai” (nessa hora o primeiro áudio acaba, aí Angela Ro Ro começa em outro áudio). Ainda respondendo a primeira pergunta que foi… Infelizmente perturbada por outra entrada de WhatsApp (as respostas foram respondidas por vários áudios). Então, continuando: Quando vi que não tinha mais nenhum tostão, quase, praticamente, e que tenho uma empregada que nem vai lá, porque respeito o cansaço dela (ela fez uma cirurgia de alguma coisa assim), ela tem alguma idade, é mais nova do que eu. Mas eu continuo pagando, não sou louca, não, apenas sou uma pessoa que se puder, sou generosa. Tem meu caseiro, tem a casa, tem conta (de luz, de água, etc), tem que comer (risos), as coisas básicas da vida. Quando vi isso se chegando e de forma não só pra mim, mas para o povo todo brasileiro, de uma forma gigantesca, junto com a ausência de vacinas, tanto tempo, a falta de emprego, a miséria chegando, assolando o país como assolou, eu não tive pudor. Eu não vivo. Quem paga minhas contas não é pudor, nem fofoca, nem intriga, nem julgamento de outras pessoas, é meu dinheiro honesto. Mas não titubiei, não vacilei, e postei, realmente, que estava precisando, quem pudesse botar uns R$ 10, alguma coisa, qualquer tostão seria bem vindo. O que me safou foram os amigos, porque tive bastante amigos, mais que fãs, mais que seguidores, que entenderam minha aflição e meu despudor de pedir, de fazer uma vaquinha. Logo depois da minha vaquinha, apareceram mil vaquinhas de todo mundo, porque todo mundo ficou desesperado e na hora do desespero a vergonha acaba. Mas depois eu consegui, através da Maria Braga, que é minha produtora, uma das pessoas que mais me faz trabalhar, que mais confio, começou a me arranjar pela Cultura em Casa, do Sesc, que foi muito bom, essa presença da Cultura em Casa do Sesc [transmissão de lives de artistas pelas redes sociais do Sesc durante a pandemia], que fez uma lives comigo na minha casa. Então, não me afastei do palco nem do público, porque é impossível a gente se afastar do que a gente ama, que no meu caso é a arte musical e cênica e fazerem os outros se emocionarem e rirem numa boa, enfim…

Esquina: Como mesmo falou o DJ Pedro, que está fazendo uma biografia da primeira parte de sua vida e carreira: “Não quero polemizar [na biografia], quero que prestem atenção numa obra muito rica, numa mulher interessante, que teve coragem e que não parece com ninguém no mundo todo”, você acha que sua obra ficou eclipsada por conta das polêmicas inventadas ou não da sua vida pessoal? Afinal de contas, quando a biografia de DJ Pedro será lançada?

Angela: Pergunta número dois (começa a gargalhar). O Zé Pedro me bloqueou em tudo que é rede social (rindo novamente). Ele está p. da vida comigo porque eu não permiti que ele fizesse a biografia. Eu mesmo vou fazer, sei que tenho passo de tartaruga, porém simboliza longevidade e saúde. Vocês me aguardem, que até no máximo no ano que vem, tem um livro falando sobre os momentos interessantes, sobre o além fofoca, o além sensacionalismo, as coisas que aconteceram na minha vida que ninguém sabe, nenhum jornalista sabe até hoje, porque são momentos preciosos, são momentos entre família, amigos. Eu sozinha no mundo, desvendando as coisas que me emocionaram, que continuam fazendo parte dessa pessoinha até hoje, a mesma menina, mesma Angela Maria desde neném, vocês vão gostar. E o Zé Pedro eu mando um recado: “Oh Zé Pedro, me desbloqueia aí (risos)”. Eu não aguento com ele, ele é uma comédia.


Esquina: Vendo sua discografia de estúdio, você lançou sete discos nos dez primeiros anos da sua carreira, que começou em 1979, com o disco com enorme sucesso de crítica e de gosto do público, Angela Rô Rô, depois vieram: Acertei no Milênio, de 2000, Compasso, de 2006 e Selvagem, de 2017, sendo 10 álbuns de estúdio, um número reduzido para quase 40 anos de carreira até então. Vendo algumas de suas entrevistas, temos parte da resposta para tão pouca produção, quando você revela que “A década de 90 não foi muito fácil para mim. Perdi meu pai, minha mãe, perdi a cabeça e já estava me perdendo”, mas o que aconteceu com os anos de 2000, quando você lançou apenas dois discos de estúdio?

Angela: Quanto a minha discografia, você esquece dos songbooks, porque a década de 1990 não ficou morta, não. Fiz Nosso Amor ao Amargedon [Angela Ro Ro Ao Vivo – Nosso Amor no Amargedon, 1993], um contrato maravilhoso com a Som Livre [gravadora] e a Globosat, maravilha. Nada melhor do que uma boa emissora com excelente elenco, desde a equipe, a diretoria, os produtores e o elenco de atrizes e atores fenomenais que a [Rede] Globo tem. Um amigo meu, que isso é mais que um produtor, Almir Chediak, durante a década de 1990 - que pode não ter sido fácil, mas creio que não foi fácil pra mim e para muita gente (risos) que eu conheço e que ainda está por aqui e outros que já foram embora -, foi a década que mais gravei discos, porque gravei songbook de Chico Buarque até o Braguinha, passando por Djavan, por Gilberto Gil, [João] Donato, Vinicius de Moraes, e Antônio Brasileiro de Almeida Jobim. Então, estou bem servida de discografia na década de 1990. A minha vida pessoal poderia, podia, estava um pouco difícil, mas meu canto não. Tanto que eu gravando Futuros Amantes [música de Chico Buarque], mesmo já tendo a gravação de Gal Costa dessa música - quando Gal carimba uma música, fica difícil de outra pessoa qualquer cantar, porque Gal é magnifica, Gal é perfeita e uma das melhores cantoras que o mundo pode ouvir, maravilha, acho ela sensacional e uma pessoa maravilhosa -, Futuros Amantes, depois dela, tive essa empreitada pela frente, ainda por cima ganhei um prêmio em São Paulo, acho que da Folha [jornal Folha de São Paulo], fui agraciada pela APCA [prêmio anual da Associação Paulista de Críticos de Artes], e com uma série de honrarias musicais junto com o cantor Johnny Alf, que foi dito entre os melhores cantores dos volumes de songbook da obra do Chico Buarque de Holanda, eu intérprete feminina e ele masculina, que é mais garoto (gargalhadas). Vai fazer seu dever de casa e vai me procurar aí nos anos 1990, que você vai deparar com bastante coisa gravada. E o importante Amilton, pra completar aqui a nossa terceira pergunta, não é a quantidade e sim a qualidade. Eu realmente não sou aquela pessoa que sai desesperada gravando qualquer coisa só para dizer que gravei, não, eu gravo o que faço especialmente porque sou autora e compositora. Eu acho que não foi tão pouco, não, procura lá, faz o deverzinho de casa que você vai achar bastante coisa.


Esquina: Interessante e curioso de saber que você poderia ter hoje mais de 50 anos de carreira, se tivesse gravado pela primeira vez aos 19 anos, quando recebeu convite de uma gravadora, mas por conta do medo de não dar certo, não topou. Se arrepende desse episódio e das vezes que teve medo de não dar certo, quando não quis gravar um compacto sugerido pelo empresário da banda Sex Pistols, Malcolm McLaren? O que a levava a esses medos que a impediram de tantas projetos interessantes?

Angela: Te corrigindo, não foi aos 19 anos, foi com aos 22 anos mais ou menos. Mas qualquer pessoa que me convidasse para fazer um filme, como fui convidada para participar em algumas produções, de alguns cineastas importantes de Roma [Angela foi para Europa no início dos anos 1970, se instalando em Roma, na Itália, depois indo morar em Londres, quando se encontrou com Caetano Veloso e Gilberto Gil que estavam viviam exilados naquele momento], na Cinecittá [complexo de teatros e estúdios que impulsionaram a cinematografia italiana no século 20], que era a “Hollywood Europeia”, sitiada na Itália, eu recusava. Estava trabalhando muito, não queria me expor e tinha medo, tinha medo. Na realidade, alguma coisa me dizia que iam jogar “pedra na Geni”, tanto que jogaram mesmo. E se deixar ou não deixar, continuam jogando. As pessoas não são boas em geral. E atrás de uma telinha e escondidas no anonimato, as pessoas são bem raivosas e muito ofensivas, e eu não estou nem aí. Alguma intuição minha dizia que iria trabalhar em música, que iria fazer sucesso imediato, como fiz, e iria ser apedrejada como [Maria] Madalena (risos). De qualquer forma a minha timidez receosa não me impediu quando Gilberto Gil e Caetano Veloso, quer mais Baby, me convidaram em Londres para tocar uma gaitinha de boca, uma gaitinha dessas de blues, junto com Perinho Santana, Tutty Moreno, Jards Macalé, Gil, Caetano, Gal abrindo a faixa, imitando a gaita com sua voz encantada, nem sei o que estava fazendo lá, me pagaram e tudo [participou da gravação em estúdio de uma das faixas do disco Transa de Caetano Veloso tocando uma gaita de sopro] (risos). Conseguir pagar, acho que, uma semana ou duas de aluguel num buraquinho que morava no subúrbio do sul de Londres. E seguir, fazendo faxina, seguir sendo garçonete, limpadora de prato, faxina hospitalar, que é barra pesada, e seguir minha vida do jeito que, não é que escolhi, fui vivendo. Aos 26 anos, Nelsinho Motta me convidou para fazer um festival chamado Som, Sol & Surf em Saquarema [Festival de música realizado em Saquarema no Rio de Janeiro em 1976], festival de rock e outros gêneros afins em Saquarema, minha Saquarema amada, em 1976, quando tinha 26 anos. E Nelsinho ficava doido, ele dizia: “Grava”, eu fugia. Fugir mais três anos, até decidir gravar aos 29 anos [quando estreou com o disco Angela Ro Ro em 1979] , quando sacramentei meu compromisso com o destino, ser feliz no palco, ser feliz na vida, dar o melhor da minha arte na música, que estudo desde os cinco anos de idade, mesmo que as pessoas e a própria imprensa tenham sido muito mal, cruéis e caluniadoras contra mim, Mas eu não estou nem aí, entendeu? A caravana passa e eu sou o líder da minha caravana. Ninguém, ninguém, vai me impedir minha obra, ninguém vai impedir a verdade de vir à tona, não, ninguém. E quem é omisso e compactua com a fofoca, é pior ainda do que o fofoqueiro, enfim…


Esquina: Fale um pouco desse show Cheiro de Amor Para Dar, de voz e teclado (Ricardo Maccord), com formato intimista, trazendo seus grandes sucessos da carreira de mais de 40 anos, como: Amor, Meu Grande Amor, Gota da Sangue, Tola Foi Você, Compasso, A mim e a mais Ninguém, Só nos Resta Viver, Fogueira, e outras canções? Tem projeto de voltar aos palcos com um show com banda e inédito?

Angela: Esse show é realmente um formato intimista físico, porque sonoramente ele é bem “gordinho”. A gente não leva trilhas sampleadas nem imitadas de ninguém, não. Mas o Ricardo Marccord, com seu talento e criatividade, que são imensos, e nossa comunhão de mais de trinta anos juntos trabalhando, faz um som no teclado, com seu computador aliado, ou mesmo com o teclado sozinho, que não falta banda, entende? Apesar de ser maravilhoso cantar com banda, com orquestra, som sinfônica, com filarmônica, mas quem é que vai bancar os ensaios, os estúdios de ensaios, quem é quem vai bancar os cachês dos músicos? Então, acho, de novo, quando falei da minha discografia, que quantidade não é qualidade. Vai lá, confere, faz tua resenha [de crítico], o som é bem “gordinho”, bem recheado, bem completo, não falta nada. Mas voltando a última pergunta, de como é o show, a gente passeia realmente dos blues a Bossa Nova com alguns sucessos que gosto de insistir em dizer que a plateia, o público, os fazem, o público assim o faz. É a plateia, o público, que é nosso alvo e que fabrica o sucesso do artista. Sem o público o artista não é nada. Então, agradeço muito, realmente, as pessoas que tornaram tantas músicas minhas em sucessos.


Esquina: Você pautou sua vida e carreira com uma franqueza desconcertante, claro, levando em consideração à sociedade, como mesmo você frisou numa entrevista “hipócrita, fria, calculista e consumista”, algum arrependimento por isso? Há passagens bastantes dolorosas em sua vida, quando revelou que apanhou cinco vezes por conta da homofobia, inclusive perdendo parte da visão esquerda. Tendo sobrevivido a tanta violência e intolerância no Brasil, como você enxerga o país hoje em relação a esses temas cada vez mais em voga, como a homofobia, o machismo, o preconceito racial, a violência contra as mulheres, ou seja, as intolerâncias de toda ordem, inclusive políticas?

Angela: Eu acho que franqueza (risos), Amilton, e sinceridade, abranger a verdade, de frente, com coragem, não é nunca desconcertante. É desconcertante pra isso que você pergunta, para as pessoas calculistas, frias, consumistas, e mais hipócrita, especialmente. Não me arrependo de nada na minha vida. Sou uma pessoa que convivo comigo com muita honra. Eu perdi o olho, mas foi o direito, perdi a visão do olho direito, mas não perdi o olho. Eu perdi a visão do olho direito, perdi boa parte da minha audição, que torna crucial a função de artista musical, mas não perdi a minha integridade, não perdi meu caráter, não perdi minha honra, não perdi a minha vergonha na cara, então, o resto que se dane, viva a música, salve eu e quem é corajoso para viver no mundo de hipócritas [não conclui a pergunta, quando falo sobre o que acha da intolerância hoje de toda ordem, inclusive política].


Esquina: Angela, você tem verdadeiras “preces”, que classifico dessa forma, ao me referir as suas canções que são tão poéticas, doloridas e demasiadamente humanas, que nos eleva para outros lugares sensoriais. Como surgem essas canções? Quais das suas músicas que você levaria para uma ilha deserta?

Angela: (risos). É bonito isso que você falou, quando se refere [às músicas] como preces, mas não sei bem se é só isso, pois tenho muitas músicas de humor, tenho muitas músicas alegres, não só é só as que você considera doloridas, etc. Me perdoe, porque meu humor não consegue resistir a fazer piada, infelizmente com a tua pergunta. Mas não levaria uma música, não. Eu levaria a minha pessoa, o meu dom. Pertenço a música, a música não me pertence. Levaria a minha pessoa para fabricar mais e mais músicas ainda. Então, não escolheria apenas uma obra, escolheria a obra inteira e o fabricante desta obra que sou eu, porque muita gente diz que tem a música dentro dela, não, eu é que pertenço a música. Isso pra mim é a glória, é a glória, é a felicidade.


Esquina: Você já foi gravada por artistas como Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Barão Vermelho, Marina Lima, Simone, Zélia Duncan, entre tantos outros. Tem algum artista que não gravou você, que gostaria muito de escutar interpretando uma de suas canções?

Angela: Sim, tive, tenho, o prazer e muito orgulho de ter sido gravada, cantada, minhas coisas, por tanta gente bacana. Agora, por exemplo, já falei em Gal, porque acho Gal uma cantora perfeita, eu escolheria três mulheres: Leny Andrade, Gal Costa e Elis Regina (1945-1982), que gostaria muito que cantasse ou tivesse cantando uma música minha. E sempre somando com um dos melhores cantores do mundo, o nosso Emílio Santiago (1946-2013), que também me gravou, é isso.

Esquina: Como você lida com perdas, como as dos seus pais, dos amigos, etc? Tem alguma religião? O que faz para tocar a vida, sabendo que “só nos resta viver”?

Angela: Eu não lido com perdas. Por exemplo, meu pai, aconteceu dele falecer aos 86 anos, em decorrência de ficar hospitalizado por uma fratura de color do fêmur. Poderia sair, mas não saiu. Viveu bastante, e é isso que tem que se aceitar. Minha mãe estava sofrendo muito com um câncer e foi até os 81 anos. Ela deveria durar mais, se não fosse essa maldita doença que come as pessoas. Mas ela também foi me deixando um legado incrível, não só a coragem, que não é valentia, a coragem, que é o amor pela vida e a verdade nua e crua, estampada em cada palavra, em cada ato, que é a Conceição, minha mãe, que era uma mulher de trazer a verdade a tona, doesse a quem doesse. Então, pra mim ela foi descansar e ainda me deu o monte de conselhos engraçadíssimos, coisas engraçadas, dizendo assim: “Ah, minha filha, sua mãe está morrendo, mas você está um lixo. Ah, se cuida. Você não aprendeu nada com sua mãe, mas sua mãe aprendeu tudo com você, quando era hippie e dizia que lixo era reciclável. Agora então, recicle-se” (cai na gargalhada). Conceição não era fácil meu amigo. E o que eu fiz; a partir do falecimento da mamãe, um pouco antes até, eu me reciclei, cuidei mais da minha saúde, mas também, enfim, estava apenas vivendo uma vida de de alguns excessos e quem não os faz, e ninguém tem nada a ver com isso. Mas queria uma saúde melhor, uma aparência melhor. E conseguir isso, com bastante esforço, dieta, caminhadas, andei de bicicleta bastante, e perdi 75 quilos, estava pesando 130 e poucos quilos. Hoje em dia, eu peso 55, 56 quilos. Acho ideal está mais magro, não pela aparência, mas pela saúde, por tudo. Fui obesa e sei o problema da obesidade, não é gordofobia, não é nada disso, não. Eu experimentei durante muitos anos ser muito gorda, e realmente não faz muito bem a saúde. Agora eu conduzo minha vida de uma forma que me mantêm mais sequinha, entendeu? É aquele negócio, vamos aproveitando pra cultivar a saúde da melhor forma possível. Eu amo a vida, a cada segundo (risos). Completando a questão número nove (em outro áudio), se eu tenho alguma religião? Já fui católica, desde os oito anos até os 15 anos. Estava entrando no noviciado para ser freira. Depois me desgostei. Os tabus quebrados, os dogmas rompidos. E ninguém me explicava sobre a Santíssima Trindade, a ausência feminina na história da religião. Sempre a presença feminina como uma pecadora. Até para ser mãe tinha que ser virgem. Aí ninguém me explico isso, então, eu me mandei, entendeu? Sair e desde então, não tenho nenhuma religião. Tenho fé na vida, fé em mim, e eu acho que isso é muito, muito. E sou grata por isso.


Esquina: Você fez enorme sucesso como apresentadora de programa de entrevista, quando fez, entre 2004 a 2005, Escândalo no Canal Brasil (streaming). Como foi essa experiência? Tem planos de voltar a ter um programa nesse formato ou em outro? Não acha que já é hora de fazer um documentário sobre sua vida e obra?

Angela: Eu adoro fazer programa apresentando. Não só fiz: [Escândalo] em 2004, 2005, que depois reprisaram em 2006, 2007 no Canal Brasil, TV a cabo, Escândalo é muito engraçado, muita gente boa [entrevistada]. Fiz 52 artistas maravilhosos. Gostaria imensamente de voltar. Depois fiz Nas Ondas da Ro Ro, em 2012 e 2013, 2014, por aí. Pesquisa para saber se é isso mesmo [Começou como web série na internet em 2012 e depois foi para o Canal Brasil]. Mas de qualquer forma, planos eu tenho, mas vamos ver se alguma televisão ou até mesmo o Canal Brasil, seria ideal. Adoro o Canal Brasil e adoraria voltar a apresentar lá. Não há um convidado, meu querido, que tenha passado pelos meus programas, especialmente os Nas Ondas da Ro Ro, os últimos que fiz; de Dudu Nobre, a Leila Pinheiro, de Teresa Cristina à Marina Lima, todo tipo de gente, que não se divertiu muito durante às gravações. [Jorge] Vercillo, enfim todo mudo. Vou pecar, que tem muita gente para falar. Mas gostaria de apresentar, porque tem mais gente para entrevistar, mais gente que quer voltar. Não há uma pessoa, volto a dizer, que tenha saído das gravações sem um vasto sorriso no rosto, satisfeito e feliz da vida. Isso que era pra mim a melhor das recompensas. E terminando aqui sua pergunta, número 10. Eu tenho uma diretora, roteirista, chamada Luciana Cavalcante, que está junta à Secretária de Cultura de Saquarema, para dar um apoio, para fazer um pequeno filme, não é somente um documentário apenas, é um documentário com ficção, eu recitando poemas, tocando um pouco de piano, passeando, um pouco de magia, de feitiço. E esse filmezinho, que é um filmezinho no sentido de ser um curta-metragem, um filme pequeno, deve ser gravado agora no segundo semestre, a partir de agosto. E garanto que vocês vão gostar. O nome [do curta-metragem] é Angela (risos), apenas. Mas vai ser sensacional, porque à equipe é maravilhosa e a Luciana Cavalcante é uma excelente roteirista, diretora e uma pessoa bastante ativa na produção das coisas. Estou muito segura na produção desse filme, desse curta, que será filmado no segundo semestre de 2022, para ser lançado assim que for editado. E agora terminando nossa entrevista (em outro áudio enviado), meu anjo, estou querendo me despedir, desejando o melhor para todos, para humanidade ficar melhorzinha, melhorzinha de saúde mental e física, que as pessoas tenham um pouco de solidariedade entre si. Eu desejo sorte, proteção, bênçãos da vida, muita saúde, prosperidade, sucessos, chances e oportunidades de estudo e de emprego, muita paz e muito amor. Eu desejo que este segundo semestre seja definitivo para à saúde da minha nação, esse Brasil amado, de um povo em paz e tão sofrido. Eu desejo o melhor para o Brasil, para quem reside aqui e todos nós brasileiros. Viva à liberdade, viva à dignidade, viva o respeito humano, até mais...


Angela Ro Ro – Cheio de Amor Para Dar

Local: Teatro do Sesc Belenzinho (374 lugares)

Endereço: Rua Padre Adelino, 1000

Tel. (11) 2076-9700

www.sescsp.org.br/Belenzinho

Data: 15/7, às 21h Valores: R$ 40 (inteira); R$ 20 (Meia entrada), R$ 12 (Credencial Sesc) Ingressos à venda no portal sescsp.org.br e nas bilheterias das unidades Sesc Classificação: 12 anos Duração: 60 minutos

 

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