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  • Michelly Cruz

Vinte anos após lançamento, 'A Outra História Americana' continua atual


O filme A Outra História Americana, do diretor Tony Kaye (O Substituto), é uma dessas produções que, de tão bem construídas, valem não só o ingresso, mas uma fama que atravessa gerações. Eu, que o visito pela primeira vez em 20 anos de lançamento, prendi a respiração mais vezes do que pude contar, percebendo uma identificação social que assusta. Acredito que o mesmo ainda acontecerá para a geração que o fizer daqui há 50 anos – embora espere, claro, que isso ocorra em menor escala.

O longa de 1998 traz a história dos irmãos Vinyard. Enquanto Derek (Edward Norton) é o líder de um grupo de skinheads de Venice Beach, Los Angeles, preso após assassinar brutalmente dois homens negros em frente à sua casa, Danny (Edward Furlong) é um adolescente confuso, que acaba também se unindo ao grupo neonazista durante a sentença do irmão.

O que torna o filme tão efetivo ao falar sobre racismo e extremismo, é justamente não tentar ser um grande sermão nem optar por colocar o bem contra o mal o tempo todo. O roteiro de David McKenna é inteligente ao nos jogar na história lado a lado com os Vinyard, cujas perspectivas provavelmente não enxergaríamos de outra maneira. O tempo todo ele nos questiona se realmente há um herói ou vilão no meio de toda aquela guerra e, com o passar do filme, começamos a nos fazer a mesma pergunta.

Tony Kaye faz um brilhante trabalho na condução da direção e fotografia, especialmente desta última. As escolhas feitas durante a narrativa, como o uso de voz over e sons ambientes em vários momentos, ajudam a construir um certo ar documental, tornando os irmãos Vinyard muito mais próximos do público. Eles poderiam facilmente ser nossos vizinhos ou aqueles parentes intolerantes que encontramos vez ou outra no Natal.

Outra ferramenta eficientemente utilizada é a mudança de cores para delimitar passado e presente, visto que o enredo se divide entre antes, durante e após a prisão de Derek, com os diferentes tempos se misturando.

Dentre todos os flashbacks, as partes mais relevantes correspondem à passagem de Derek pela prisão. Os três anos de encarceramento alteram não apenas a visão dele sobre o grupo ao qual pertence, mas também sobre aqueles que ele inferioriza. É lá dentro que Derek, o estereótipo de americano branco e nacionalista extremista, vê o muro entre negros, pardos, hispânicos e brancos rachar pelo bem da sobrevivência.

A prisão funciona, afinal, como um divisor de águas, a partir do qual as crenças mal fundadas de Derek começam a ser confrontadas.

Temas como o racismo, antissemitismo e posse de armas são abordados com frequência, fazendo com que o filme soe inacreditavelmente atual. Se considerarmos os acontecimentos recentes, principalmente em solo americano – indo desde à eleição de Trump aos tiroteios em escolas –, A Outra História Americana parece mais ter sido lançado há duas semanas e não duas décadas.

Por fim, encerramos o filme com um dos acontecimentos mais violentamente explícitos de todo o longa. Quando Derek se pergunta “O que foi que eu fiz?” ao invés de “Quem fez isso?” ao segurar o corpo ensanguentado do irmão, vemos um claro exemplo de como a máxima “gentileza gera gentileza”, também funciona do avesso.

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