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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Saltburn', do Prime Video, se perde em suas próprias ambições



Terminei de assistir a Saltburn, longa-metragem que estreou na noite desta quinta-feira, 21, no Prime Video, entendendo-o como um filme complexo de avaliar. Não por conta de sua mensagem ou de suas ideias, bastante pasteurizadas como indicarei abaixo, mas por ter tido dois sentimentos totalmente opostos ao longo de sua exibição. Achei a primeira 1h30 fantástica. Quase impecável. Mas, a diretora e roteirista Emerald Fennell estraga tudo no restante.


Explico: ao longo de 90 minutos, Saltburn se dedica, basicamente, a construir a atmosfera. Ao falar sobre a amizade entre o ricaço Felix Catton (Jacob Elordi) e o pobretão Oliver Quick (Barry Keoghan), Fennell já mostra a que veio: comentar sobre as diferenças sociais da sociedade inglesa. Os mundos são bem distintos para esses dois, vindos de realidades opostas. Felix vive na mansão Saltburn, com tudo que precisa. Oliver, enquanto isso, tem o mundo a conquistar.


Nesse embate de realidades, que se misturam na improvável amizade que nasce a partir de uma gentileza, Oliver começa a experimentar a vida "do outro lado". A convite do novo amigo da faculdade, vai passar o verão na mansão em que mora com a mãe (Rosamund Pike), com o pai (Richard E. Grant), com a irmã (Alison Oliver) e um amigo considerado filho (Archie Madekwe). Oliver, aos poucos, vai entrando nessa realidade e, estranhamente, afetando a vida de todos ali.


A ambientação criada por Fennell, que já tinha mostrado essa qualidade no irregular Bela Vingança, é acima da média. Não só design de produção e figurino, mas a maneira que a cineasta filma ajudam a mostrar esse embate de verdades e realidades. Nos faz questionar, também, quem são aqueles dois. É uma mistura de Parasita com Theoreme, de Pasolini, guardas as devidas proporções. É como se fossem esses dois filmes pra geração Z. Pro TikTok.


Mas são as atuações que fazem o espectador ficar grudado na tela da televisão. Keoghan exala estranheza, lembrando seu trabalho em O Sacrifício do Cervo Sagrado, enquanto Elordi comprova, na dobradinha com o lançamento de Priscilla, que é um dos grandes nomes dessa nova geração. Grant e Pike acabam carregando demais nos personagens, por uma óbvia indicação de Fennell, e beiram o exagerado do caricato. Mas tudo faz sentido até aquele ponto.



A única preocupação que me surgiu, até aquele momento, era a indecisão de Fennell no roteiro. O que ela realmente queria? Criar uma trama hitchcockiana, de fundo homoafetivo, entre aqueles personagens, com toda a tensão social acompanhando? Ou uma guerra de realidades entre uma rapaz solitário e uma família que não sabe onde colocar o dinheiro? Era algo que não estava ficando claro no texto do filme, saltando de um lado para o outro em busca de saídas.


Até que chega a primeira reviravolta -- um tanto quanto manjada, e fácil de perceber de antemão, mas boa. A mudança no rumo do filme funciona. Fica a sensação de que Saltburn vai seguir por um caminho inesperado de mostrar cobra comando cobra, uma guerra de mundos que está muito fora do nosso alcance, meros mortais, mas que faz sentido naquela realidade mesquinha que está se desenhando. Achei, naquele momento, que estaria vendo o filme do ano.


Só que Fennell decide não aproveitar essa avenida que se abre e coloca seu filme para trabalhar em prol de outra reviravolta. E de outra. E de mais uma. O filme se perde: aquela fatal indecisão se agiganta e o filme fica sem sentido. As atuações continuam se destacando, e a força da ambientação segura o espectador, mas parece que a cineasta está trabalhando unicamente para fazer com que o filme choque -- com plot twists, mortes, nudez. Chocante.


E é aí que Saltburn entrega um final absolutamente insosso. É regurgitação pura desses dois filmes que já citei. Parece que Fennell apenas juntou histórias que ouviu falar, pegou esse tom hitchcockiano, e voilà: imaginou que misturar isso tudo e inserir reviravoltas, em cenário bonito, era o suficiente para uma obra-prima. Não é. Apesar de funcionar maravilhosamente bem por 1h30, ou um pouco menos, o longa-metragem termina sem encontrar um rumo, um caminho.


Pior: o roteiro se revela fatalmente burro nos últimos 10 minutos, quando vê necessidade de explicar tudo. Já estava óbvio. O que motiva a explanação direta? A última cena, então, é a epítome de tudo isso, quando coloca a nudez como se fosse algo revolucionário. É bobagem. Fennell caiu na armadilha mais perigosa de um roteiro ao pensar que as sacadas substituem a qualidade de uma história e a noção do que quer contar. Um segredo aqui: não substituem.


Não dá pra dizer que Saltburn é ruim, justamente por funcionar muito bem por tanto tempo. Comprei os personagens e fiquei interessadíssimo em saber como as coisas terminariam. Só que Fennell, ansiosa por chocar, fez um dos filmes mais insossos do ano. Entendo os que vão amar, achando que é algum tipo de revolução cinematográfico. Acho apenas bom, mas com muitas ressalvas. Faltou coerência. Um sentido. No cinema, uma história à esmo, é tiro e queda. Não termina de pé, já que a fragilidade do texto -- assim como uma mentira -- tem perna curta.

 

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