Antes de assistir ao novo filme Testamento, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 27, li um comentário chamando o filme de reacionário. Pode até ser -- o retrato que o novo longa-metragem de Denys Arcand faz de algumas minorias pode soar desrespeitoso. Mas não foi isso que, de fato, encontrei aqui: este é um filme sobre a estranheza do tempo e, acima de tudo, como nos encontramos desconectados com o mundo ao redor em nossa velhice.
A história, afinal, acompanha a vida de um arquivista (Rémy Girard), na casa dos 70 anos, que não consegue se encontrar no novo mundo que se descortinou à sua frente. Não compreende as premiações literárias ou ainda pessoas premiadas, não entende o movimento que se instala na frente da casa de repouso em que vive contra um afresco na parede, não entende as revoltas.
Na mira de Arcand, o politicamente correto. Ele parece estar cansado em como tudo ao seu redor parece estar perdendo aquela concretude, aquela existência firme e serena. Tudo é ressignificado. Sua existência tampouco importa -- não à toa, ele fala que quer morrer só, sem fazer barulho. O mundo grita, enquanto isso Jean-Michel Bouchard, o protagonista, se cala.
Testamento, assim, não está exatamente fazendo juízo de valor de todas as coisas que estão mudando, mas sim da artificialidade dessas mudanças e como elas se transformam em uma espécie de rolo compressor em todos ao redor. Obviamente, há cutucadas mais pesadas em alguns temas -- como ativistas da causa indígena, que não são indígenas -- mas não são o foco.
Tudo indica que Testamento é o último filme de Arcand. Conversei com o cineasta canadense na tarde de segunda-feira, 24, para uma reportagem que ainda vai ser publicada no Estadão. Ele diz que não sabe ainda, não dá certeza, mas que está sem ideias. E tudo bem: este seu novo filme funciona bem como o fechamento de uma carreira com títulos como Invasões Bárbaras e O Declínio do Império Americano. Ele sempre falou sobre o que lhe desagrada, doa a quem doer.
Agora, aos 83 anos, o que desagrada é, naturalmente, a mudança de uma ordem que existe desde sempre. É boa? É ruim? Arcand dá dicas do que pensa e do que acha, mas nunca coloca uma resposta definitiva e concreta. Testamento mais provoca do que responde, mais instiga do que procura obviedades. É um filme que provoca e que tem algo a dizer -- por isso, também, é passível de críticas mais pesadas, interpretando Arcand como alguém reacionário e por aí vai.
Um pena que o final do longa-metragem destoe de maneira tão intensa de todo o resto que foi proposto até então. Arcand parece fazer um mea culpa de tudo que tinha exibido até então, tirando o corpo fora de algumas críticas mais pesadas. Deixa de ver o mundo como pessimista e abraça um otimismo piegas (afinal, já viu otimismo racional?). Testamente perde garra e força. Ainda assim, é a prova que Arcand é necessário -- e um cineasta que não tem medo de provocar.
Em tempos de produções cada vez mais insossas, que repetem fórmulas de outras repetições de fórmulas, é bom ver cineastas como Arcand, Radu Jude e Paul Schrader arriscando de fato.
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