Olhar de Cinema 2025: Mostra internacional aposta em filmes mais verbais no início
- Amilton Pinheiro
- 15 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.

O Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba abriu sua 14ª edição na quarta, 11, no belo Ópera de Arame, com lotação máxima, apesar do frio de doer os ossos. Foi ali que aconteceu a primeira exibição no Brasil do candidato do Japão a uma das vagas do Oscar deste ano, Cloud – Nuvem de Vingança, de Kiyoshi Kurosawa, que terminou ficando de fora dos cinco finalistas.
O novo filme do diretor Kurosawa, que não tem nenhum parentesco com o grande Akira Kurosawa, é uma hábil alegoria do capitalismo digital que vivemos. Ele conta a história inspirada num evento real do jovem Ryôsuke Yoshii. Ele trabalha como operário numa pequena fábrica e vende produtos de todo tipo pela internet nas horas vagas. Aqui, o diretor trata de um assunto que qualquer jovem do mundo inteiro vive hoje, a dificuldade e a precarização do emprego.
Com o sucesso das vendas e dos ganhos dos produtos pela internet, o jovem Yoshii deixa o trabalho e vai se dedicar ao lado da namorada inteiramente dessa nova atividade, que, como mesmo disse o diretor por vídeo enviado a organização do festival e exibido antes do filme, é uma “atividade que beira a clandestinidade e que atrai bastante os jovens”.
Nesse mundo “clandestino”, Yoshii começa a lesar alguns clientes com produtos falsificados e acima do preço de mercado, o que gera uma campanha de ódio, inclusive de outras pessoas que são ditadas pela insanidade desse culto e disseminada nas redes sociais, transformando a vida do jovem numa sucessão de acontecimentos misteriosos e violentos, daí o subtítulo do filme no Brasil.

Mas o diretor procura não estilizar essa violência, optando de forma acertada transformar tudo em um “bangue-bangue” bem pastelão, típicos de alguns filmes de ação japoneses, o que deixa tudo, apesar da habilidade em lidar com o gênero do suspense e da ação, numa sucessão de atrapalhadas da gangue que se amar para vingar-se do jovem ambicioso.
O filme agradou a plateia, que mesmo diante da friaca quase insuportável, já que o local é um espaço aberto no meio de mata e de um lago, não arredou o pé da sala, a não ser alguns. Mas faltou a organização do festival providência alguns aquecedores portáteis que são usados em espaços abertos para aliviar um pouco a baixa temperatura que marcava por volta de 9 graus.
Da Imagem se fez Verbo
O Olhar de Cinema tem uma ampla programação que exige muito de quem cobre jornalisticamente o festival, tendo que correr para dar conta de várias mostras, além das competitivas de longas e curtas nacional e internacional, sem contar com os debates e os deslocamentos para os lugares que passam os filmes (são quase 100 filmes este ano espalhados por cinco salas de exibição, sendo a sede, a sala do MON, Museu Oscar Niemeyer)
Os dois primeiros dias das mostras competitivas nacional e internacional não foram das mais animadoras, que esperamos que melhore ao longo do festival, que acaba no dia 18, quarta, no tratamento narrativo e nas escolhas de linguagem, sufocando o espectador numa verborragia exagerada e sem inspiração.
Os dois longas da mostra internacional Ariel, de Lois Patiño, uma produção da Espanha e de Portugal, e Fire Supply, de Lucia Sles, da Argentina, vão na corrente do experimentalismo, da metalinguagem e do uso das palavras em profusão, dificultando a vida de quem assiste e na sua imersão nas histórias.
Em Ariel, o diretor faz quase um “teatrão” ao ar livre ao contar a história de uma jovem que viaja para uma ilha nos Açores e passa a conviver com pessoas que são personagens e que encenam obras do dramaturgo inglês William Shakespeare o tempo inteiro. Presa nesse mundo “ficcionalizado’, ela não sabe mais distinguir o que real e o que é onírico, sendo absorvida pelos personagens e histórias de Shakespeare.

O filme tem uma premissa e um ponto de partida que são muito interessantes. O problema é a execução dessa junção de teatro, literatura e cinema e dos atores que o diretor escalou para narrar essa história.
Tudo fica artificial demais; teatro demais, verborrágico demais. As imagens não conseguem absorver tantas citações e referências, deixando o espectador à deriva e sufocado pelo verbo, pela palavra em demasia, restando algumas belas imagens do mar e dessa ilha perdida no meio do oceano.
Já a diretora argentina Lucia Seles de Fire Supply, o segundo filme da mostra competitiva internacional, consegue driblar as dificuldades pelo uso de alguns experimentos de linguagem e da quantidade de palavras que estão na boca dos personagens, bem mais interessantes e reais dos de Ariel.

A história gira em torno de pessoas extraordinariamente comuns que vivem numa Buenos Aires sem a beleza dos cartões postais, as voltas com situações inusitadas, tristes e solitárias, vivendo em estado permanente de inadequação com os outros e o mundo ao redor.
Os dispositivos de linguagem que a diretora trabalha em Fire Supply são incomuns e revelam uma maneira de narrar uma obra cinematográfica bem peculiar, e pelo que li, já usados em outras obras suas.
Uso de planos não elaborados, até desleixados, conduz o espectador para algo que soa incômodo, de difícil absorção, mas que também descontrói o olhar, acostumado como um cinema mais clássico, o que é um ganho e uma revelação para quem assiste.
A diretora já trabalha algum tempo com os atores que estão em Fire Supply, o que explica todos estarem bem a vontade nos seus personagens, nos conduzindo a nos envolver em suas histórias comuns, inusitadas e tristes.
Mesmo diante da quantidade e do palavreado ditos pelos personagens, a diretora opta por usar um narrador em off que vai pontuar alguns daqueles acontecimentos inusitados, exigindo que espectador também seja obrigado a ficar atento e preso a ele, mas que termina deixando tudo dispersivo e over demais, muito ruído, sem contar com a trilha sonora.

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