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  • Foto do escritorMatheus Mans

Resenha: 'Ida Um Romance' é espetáculo narrativo e visual


Dificilmente fazemos resenhas, aqui no Esquina, abordando o design ou a capa de um livro. Afinal, isso é algo que as pessoas podem ver rapidamente e tirar as suas próprias opiniões. No entanto, não é este o caso de Ida Um Romance, livro sensorial e de trama interessantíssima lançado pela Ponto Edita. Mais do que um livro, Ida Um Romance é uma experiência literária.


As coisas começam diferentes no formato. A Ponto Edita optou por publicá-lo com dimensões mais alongadas, quase como um monolito. E a ousadia gráfica continua internamente. O romance de Gertrude Stein tem páginas que se desdobram e revelam poesias visuais; fotos encartadas no livro e que dão a ambientação da trama; e brincadeiras com cores e desenhos.


Tudo isso, num primeiro momento, parece alterações cosméticas e sem importância. Porém, conforme as letras avançam, elas vão se mostrando como parte da experiência no geral.


E note: letras, não trama. Afinal, Ida Um Romance é um daqueles livros sem uma trama bem definida, mas que acaba levando seus personagens adiante. Há, aqui, uma narrativa desencontrada e de formação, bem particular de Stein, que acaba se tornando a representação dessa personalidade fluída e quase vazia de Ida, que se rende ao mundo fugaz da liquidez.


Um dia não vinha depois de outro dia para Ida. Ida nunca se importava com o ontem ou o amanhã, nunca se importava com os meses nem nunca se importava com os anos. Pra que se importar se ela era sempre a mesma.

Afinal, a própria vida de Ida não avança. Ida transpassa os anos e deixa a vida acontecer. As coisas se amontoam e a protagonista nunca tentar encontrar algum sentido em seus atos.


E apesar de ter sido publicado na década de 1940, Ida Um Romance dialoga com os dias atuais numa modernidade surpreendente. A protagonista tem vários maridos, vários cachorros, várias casas. Nunca se encontra, nunca sabe quem é. Mas, ainda assim, é uma figura pública que se torna cada vez mais onipresente, mais importante, mais vívida. Uma coisa não condiz com outra.


Isso se deve, claro, à escrita e experiência de Stein. À frente de seu tempo, Gertrude Stein era lésbica, judia e dona de uma obra recheada de contestação -- e que, infelizmente, ainda não teve o espaço merecido no Brasil. Ida Um Romance é reflexo dessa personalidade em constante ebulição, repleta de caminhos por onde seguir. Stein é uma escritora genial a ser redescoberta.


E Ida um Romance, sem dúvidas, é uma boa jornada para quem quer trafegar nas águas turbulentas de Stein. Assim como Uma Mulher Perdida, excepcional livro de estreia da Ponto Edita no mercado editorial, Ida um Romance é um livro de encontro, redescoberta, reflexão. E que ainda fala com a realidade de nossas vidas, das maneiras mais diferentes possíveis.

 
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